Público - 11.09.2019

(Jacob Rumans) #1
8 • Público • Quarta-feira, 11 de Setembro de 2019

ESPAÇO PÚBLICO


Que eu tenha dado conta, há pelo menos
três propostas diferentes razoáveis
formuladas por economistas famosos.
Robert Frank, professor de
Microeconomia na Cornell University, e
autor de um dos manuais mais usados nas
licenciaturas de Economia, propõe um
esquema bastante simples por ser similar ao
actual IRS. Mas, em vez de se calcular o
imposto com base no rendimento,
calculava-se com base no rendimento
subtraído da poupança. Ou seja, o imposto
era calculado com base no consumo total de
cada família (deduzido de um montante Æxo,
por exemplo 10.000€, para aquilo que se
considera como
consumo mínimo
essencial).
Como o imposto
apenas se aplica a
parte do
rendimento, se
mantivéssemos as
taxas actuais,
haveria uma forte
quebra das receitas
Æscais. Assim, teria
de haver mais
escalões de IRS e os
mais elevados teriam
de ser revistos em
alta. Por exemplo,
poderiam ir dos 10
aos 100%, ou até

Professor da Escola de Economia e
Gestão da Universidade do Minho

Luís Aguiar-Conraria


Por um IVA de esquerda


D


e tempos a tempos, aparece um
economista a dizer que não faz
sentido pagar impostos sobre o
rendimento. Como uma vez me
disse Luís Gaspar — economista
hoje a trabalhar em Portugal,
mas que foi principal economist
na Ofcom, a Anacom inglesa, e
responsável pelo leilão de
frequências de telemóvel 5G no
Reino Unido —, de um ponto de vista
normativo, não se deve taxar o rendimento.
É bom que as pessoas ganhem mais. É uma
excelente forma de subir na vida e, como tal,
não deve ser penalizado. Ao taxarmos o
rendimento (ainda por cima com taxas
progressivas), estamos a penalizar quem
tenta subir na vida. Sob este ponto de vista,
até porque incide principalmente sobre os
rendimentos do trabalho, o IRS é um entrave
ao elevador social. Por outro lado, faz
sentido desincentivar o consumo. Quanto
menos se consumir, mais se poupa e, com
isso, maior será o investimento. Nos dias de
hoje, com tantas pressões ambientais,
reduzir o consumo agregado faz mais sentido
do que nunca.
Qual é então o principal problema
apontado aos impostos sobre o consumo?
Imagine que deixa de se pagar IRS e que se
compensa a receita Æscal perdida duplicando
a taxa de IVA. Muitos considerariam injusta,
pois os pobres pagariam a mesma taxa de
imposto que os ricos. Pior, seria um imposto
regressivo, dado que quem tem rendimentos
mais elevados poupa proporcionalmente
mais e, portanto, teria uma fracção maior do
seu rendimento livre de impostos.
A solução para o dilema anterior passa por
ter impostos ao consumo que sejam
progressivos. A pior forma de o fazer seria
ter muitas taxas de IVA diferentes, porque
isso traria uma imensa confusão de
incentivos e obrigaria a ter os gabinetes dos
ministérios a deÆnir que bens entram em
cada escalão. Levaria vários sectores
económicos a pressionar (e, eventualmente,
corromper) o poder político para obter a
redução do IVA dos seus produtos. Temos
um exemplo recente, aliás, com o sector da
restauração a conseguir que a taxa de IVA
que se lhes aplica seja mais baixa.

mais. Com uma taxa máxima de 100%,
alguém que queira comprar um Rolex de
10.000€, na verdade, irá pagar 20.000€,
metade dos quais é imposto. Um sistema
destes tem vários efeitos benéÆcos. Em
primeiro lugar, mantém totalmente o
princípio da progressividade. Em segundo
lugar, desincentiva o consumo dos grandes
gastadores, não afectando o das classes mais
baixas. Será um desincentivo ao consumo
supérÇuo, como telemóveis de última
geração, que custam mais de 1000€, viagens
de avião de primeira classe, carros de luxo,
etc.. Provavelmente, o Ronaldo em vez de ter
comprado um Bugatti com 1500 cavalos de
potência por três milhões de euros, teria
optado por um com apenas 750 cavalos. Em
terceiro lugar, é uma forma de taxar
fortemente as classes mais altas sem, no
entanto, se criar qualquer desincentivo a
ganhar mais dinheiro. É provável que muitos
aleguem que, penalizando o consumo, se
prejudica o crescimento económico. Mas, na
verdade, se a transição for feita com a calma
necessária, o aumento da poupança levará a
um aumento do investimento que
compensará a quebra do consumo. Terá,
então, o efeito contrário, o investimento
aumentará a produtividade e, com isso, a
economia crescerá mais.
John Cochrane, professor de Finanças na
Universidade de Chicago, propôs um sistema
ligeiramente diferente. Enquanto o sistema
proposto por Robert Frank é semelhante ao

Seria uma
espécie de
rendimento
básico
incondicional

actual IRS, apenas alterando o cálculo do
rendimento colectável (que passa a ser igual
ao consumo), Cochrane propõe um sistema
semelhante ao do IVA, mas com um sistema
de deduções automáticas.
Imagine que não há IRS, mas que a taxa
normal de IVA passa a ser de 100%. A
progressividade é garantida com um sistema
de deduções automáticas. Por exemplo, nos
primeiros 10.000€ gastos por uma família, o
IVA é-lhe devolvido, imediatamente, na
totalidade. Os segundos 10.000€ gastos
gerariam uma restituição do IVA de 90%. E
por aí fora, não havendo restituição
nenhuma de IVA para consumos muito
elevados.
Isabel Horta Correia, investigadora no
Banco de Portugal e professora de
Macroeconomia na Universidade Católica,
tem uma proposta diferente, combinando a
ideia de uma taxa única com o rendimento
básico incondicional. Horta Correia propõe
um imposto sobre o consumo que substitua
os vários impostos sobre o rendimento, uma
espécie de IVA com taxa bastante mais
elevada. Mas, simultaneamente, propõe
também uma transferência do Estado para
todas as famílias. Uma espécie de
rendimento básico incondicional.
À primeira vista, esta proposta pode
parecer injusta: aÆnal que sentido faz atribuir
um rendimento a todos, incluindo os mais
ricos? Mas, se se pensar melhor, percebe-se a
sua racionalidade. Tanto simpliÆca muito a
parte administrativa como, ao ser para todos,
não distorce incentivos. E garante toda a
progressividade que se quiser. Se o valor
desta transferência para as famílias fosse
suÆcientemente elevado, as pessoas com
baixos rendimentos (consumos) receberiam
mais do que o que pagariam em IVA. É como
se globalmente pagassem uma taxa negativa
de imposto. Por outro lado, para quem tem
gastos muito elevados, obviamente que o que
pagaria em IVA excederia largamente a
transferência recebida. Assim, quem
consumisse mais pagaria uma taxa média de
imposto mais alta.
Todas as propostas referidas transferem a
incidência do imposto do rendimento para o
consumo. Não se penaliza quem ganha mais,
mas sim quem consome mais. Assim,
promove-se um crescimento
ambientalmente sustentável, promove-se a
poupança (que, actualmente, é
assustadoramente baixa) e criam-se
condições para aumentar o investimento.
Em períodos eleitorais, é difícil discutir
assuntos como estes sem demagogia, mas a
partir de 7 de Outubro era bom que se
debatesse seriamente uma reforma Æscal
neste sentido.

DANIEL ROCHA

Há uma proposta que


defende um imposto de
consumo que substitua os

vários impostos sobre o
rendimento, um IVA com

taxa bastante mais elevada

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