6 de março de 2019 | 45
ATRAPALHOU ANTES,
NÃO AJUDA AGORA
Uma casa na praia, dizem, sempre dá
duas alegrias: quando se compra e
quando se vende. Para a Gafisa, a in-
corporadora voltada para a baixa ren-
da Tenda fez exatamente esse papel.
A aquisição da Tenda, anunciada em
2008, era uma oportunidade para a
Gafisa entrar no promissor mercado
de imóveis para a baixa renda. Mas os
projetos destinados a famílias pobres
davam retorno pequeno e apresenta-
vam uma taxa de inadimplência eleva-
da. Por anos, a Gafisa tentou desen-
tortar a operação da subsidiária, po-
rém em 2016 acabou jogando a toalha.
Em 2017, as duas companhias se se-
pararam e seguem com ações listadas
na bolsa de forma independente.
A Gafisa viu-se aliviada por poder se
concentrar no mercado de renda mé-
dia e alta. E a Tenda finalmente desa-
brochou. A construtora voltada para
os pobres passou a aceitar somente
compradores cujo financiamento pe-
lo programa Minha Casa, Minha Vida
tenha sido previamente aprovado pe-
la Caixa Econômica Federal, parou de
dar descontos a clientes e aprimorou
a gestão das obras, reduzindo o des-
perdício com material de construção.
Do terceiro trimestre de 2016 ao
terceiro trimestre de 2018 (dados
mais recentes disponíveis), o fatura-
mento da construtora para a baixa
renda subiu 81%, atingindo 490 mi-
lhões de reais, e o lucro aumentou
178%, alcançando 64 milhões. O valor
Separada da Gafisa em 2017,
a Tenda aumentou o lucro e o
faturamento. O dinheiro faria
bem à antiga controladora
DENYSE GODOY
ly office ligado às famílias Klabin e Segall é
o principal investidor dos fundos da Plan-
ner Redwood, mas Oscar Segall nega que
tenha, direta ou indiretamente, participa-
ção na Gafisa. Os nomes dos cotistas de
fundos são protegidos por sigilo bancário.
No final da terceira semana de fevereiro,
a empreitada de You na Gafisa parecia
próxima de terminar. A participação da
GWI na construtora foi reduzida a menos
de 5%, e a permanência de Recart na pre-
sidência seguia como uma incógnita. You,
a Gafisa e a Planner Redwood não deram
entrevista. A gestora não esclarece quais
são seus planos para a Gafisa, se é que já
tem um projeto em mente. Em um fato
relevante, comunicou que pretende fazer
mudanças na administração e manter o
mercado informado a respeito. Executivos
da Gafisa consideram que a empresa está
com o tamanho e a estrutura adequados
para voltar a crescer, com foco em São
Paulo. Fácil não será. “O endividamento
da Gafisa ainda é alto, e por isso a empre-
sa não consegue lançar tantos novos pro-
jetos quanto as concorrentes”, diz Enrico
Trotta, analista do setor imobiliário do
Itaú BBA. Ou seja: dificuldades à vista com
ou sem melhora do mercado. Q
Imóveis em São Paulo:
o plano da Gafisa é focar
os negócios na cidade
JULIEN PEREIRA/FOTOARENA
de mercado da Tenda cresceu 128%
nesse período, para 1,6 bilhão de
reais — agora quatro vezes o da Ga-
fisa. A ironia: esses resultados aju-
dariam bastante a Gafisa, hoje, quan-
do a tradicional construtora luta
para diminuir seu endividamento.
Organizada, a Tenda deve se bene-
ficiar de uma esperada reação do
mercado. Na avaliação da Associação
Brasileira de Incorporadoras Imobiliá-
rias (Abrainc), o cenário para a reto-
mada do crescimento do setor está
quase perfeito. A Selic, taxa básica
de juro da economia, em seu menor
patamar histórico e a melhora da re-
gulação proporcionada pela lei do
distrato estão alimentando um oti-
mismo entre as companhias do setor.
Falta só diminuir o desemprego, que
continua acima de 10%. “Nos próxi-
mos dez anos, o Brasil vai precisar de
9 milhões de unidades residenciais”,
diz Luiz Antônio França, presidente
da Abrainc. A Gafisa deve acompa-
nhar a recuperação, inicialmente, a
distância, com sua casa de praia dan-
do alegrias a terceiros.