Público - 25.08.2019

(ff) #1

10 • Público • Domingo, 25 de Agosto de 2019


“A FLAMA não era bem um


movimento independentista”


Emanuel Janes Investigador do Centro de Estudos


de História do Atlântico fala sobre a génese


da autonomia na Madeira, que está já em campanha


para as próximas eleições regionais


Emanuel Janes pode falar horas a
Æo sobre a história da Madeira.
Licenciado em História
Contemporânea, é um dos
investigadores do Centro de
Estudos de História do Atlântico.
Na sua obra destaca-se o livro
Nacionalismo e Nacionalistas na
Madeira dos Anos 30
. Explora
agora novas formas de contar
História. Escreveu os guiões da
série documental Madeira 600
Anos, História, da RTP-Madeira.
Participa no programa
radiofónico Lugar à História, da
RDP Madeira-Antena 1. Esta é
uma pequena parte de uma
longuíssima conversa na
esplanada do Ateneu Café, no
embalo dos 600 anos do
desembarque dos navegadores
portugueses na ilha e no que
aconteceu depois disso, mas
limitada ao tema da autonomia.
Quando se lhe pede que
identifique objectos
representativos do que é a
Madeira, o que lhe ocorre
primeiro é a Estátua da
Autonomia, uma figura
feminina, em bronze, da
autoria de Ricardo Veloza.

Não a estátua em si, mas o que ela
representa. Essa estátua
simboliza a Assembleia
Legislativa, o governo regional, a
autonomia. Sou um autonomista
convicto. Não quero que a
Madeira seja independente,
quero que a Madeira seja
autónoma, que a Madeira decida
todos os aspectos da sua vida,
com excepção daqueles que são
uma questão nacional, como a
política externa ou a política de
segurança nacional.
Quando é que se começou a
falar em autonomia na
Madeira? Depois da Revolução
Liberal?


Eu costumo dizer que a
autonomia existe no pensamento
dos madeirenses desde os
primórdios do povoamento [no
primeiro quartel do século XV],
mas ela aparece mais
concretamente deÆnida a partir
do momento em que surgiu a
opinião pública, com o primeiro
jornal, O Patriota Funchalense ,
fundado em 1821. Aí começam os
artigos com apelos à autonomia.
Era um jornal de opinião?
Exactamente. Era escrito pelos
leitores. Claro que eram pessoas
cultas. O liberalismo também foi
feito pelos maçons. Eram pessoas
ligadas à maçonaria que estavam
por dentro do jornal. Nicolau
Bettencourt Pitta era o
proprietário, o director e o editor.
Ele escreveu: “Somos tratados
como colónia.” Com a
Constituição de 23 de Setembro
de 1822, os arquipélagos da
Madeira e dos Açores deixaram
de estar associados às províncias
ultramarinas, passaram a ser
“ilhas adjacentes”, mas isso não
alterou a situação.
As vozes incómodas acabaram
por ser silenciadas...
Eu costumo dizer que Albertos
Joões houve muitos. Não tiveram
foi as condições que este teve.
Porque a Madeira é conhecida
por ter aqueles reizinhos, não é?
Depois de um longo sistema
de senhorio, a partir de
1901 surgiu uma primeira e
muito limitada forma de
autonomia, com as juntas
gerais autónomas dos
distritos insulares. E há uns
cem anos, no calor das
comemorações dos 500 anos
da chegada dos navegadores à
Madeira, voltou o clamor
autonomista...
Os anos 20 do século XX foram
um período muito importante
para as reivindicações
autonómicas. Apareceu em 1918 a
primeira tentativa de partido
autonomista, de defesa dos

elementos da FLAMA que tinham
ideais independentistas,
inclusivamente eu falei com o
guru deles, um senhor chamado
José Carvalho. Ele disse-me: “Eu
sou flamista, eu sou pela
independência da Madeira e
tenho esperança que os meus
netos ainda consigam viver numa
Madeira independente.”
Portanto, havia gente dentro da
FLAMA que tinha ideais
independentistas, mas a grande
maioria estava ali para se opor à
ditadura comunista.
A FLAMA desvaneceu-se sem
responder pelos atentados
bombistas perpetrados entre
1975 e 1978 no arquipélago. E

Costumo dizer
que Albertos Joões

houve muitos.


Não tiveram foi as


condições que este
teve. A Madeira

é conhecida


por ter aqueles


reizinhos, não é?


Entrevista


Ana Cristina Pereira texto


Daniel Rocha fotografia


interesses dos madeirenses, o
Partido Trabalhista, que era o
partido da União dos Sindicatos
do Funchal. Foi sol de pouca
dura. Tinha por trás o dr. Manuel
Gregório Pestana Júnior, que
acabou chegando a ministro das
Finanças de um dos governos da I
República. As reivindicações
autonómicas dos anos 20 foram
essencialmente feitas por
monárquicos integralistas,
portanto, por pessoas que
defendiam a monarquia anterior
ao liberalismo.
A monarquia absolutista?
Sim. Depois aderiram ao Estado
Novo, à União Nacional. O dr.
Luís Vieira de Castro, que era
monárquico, fundou o Jornal da
Madeira para defender a
autonomia. O visconde do Porto
da Cruz, outro homem
importante naquela época, que
era fascista, era salazarista, era
tudo o que era antidemocrático e
anticomunista, fundou um jornal
em 1928. Chamava-se
Independência. Insurgiam-se
contra a falta de respeito que o
Estado tinha tido até aí para com
os madeirenses. Queriam
autonomia. Eles eram
monárquicos, eram contra a
república, pegaram na autonomia
para bater na república.
Era uma reivindicação
instrumental?
Sim, porque depois aderiram ao
Estado Novo e acabaram-se as
reivindicações autonómicas.
Também é verdade que o Estado
Novo não permitia veleidades aos
autonomistas.
O movimento independentista
nunca foi tão forte na Madeira
como nos Açores?
Não. A FLAMA [Frente de
Libertação do Arquipélago da
Madeira] não era bem um
movimento independentista, era
mais um movimento contra a
ditadura comunista que se achava
que se estava a implantar no
continente. Mas claro que havia

POLÍTICA

Free download pdf