Público - 25.08.2019

(ff) #1
Público • Domingo, 25 de Agosto de 2019 • 11

perdurou no discurso de
Alberto João Jardim,
presidente do governo
regional entre 1978 e 2015,
uma certa diabolização do
poder central. Jardim foi da
FLAMA?

Ele diz que não... Eu acredito que
não tenha sido. Eu falei com um
senhor que era um dos grandes
cérebros da FLAMA. Ele disse-me
que havia três células dentro da
FLAMA: uns faziam as bombas,
uns coordenavam a colocação de
bombas, outros orientavam a
política da FLAMA, se é que se
pode falar assim. Falei com esse e
com outros. Eu perguntei-lhes
várias vezes e nenhum deles me


disse que o dr. Alberto João era
Çamista ou de dentro da FLAMA.
O dr. Alberto João disse pelo
menos uma vez que quando
chegou ao poder chamou os
Çamistas e disse: “Eu agora estou
aqui, acabou, esqueçam estas
coisas das bombas.” Uma vez, o
José Carvalho, que escrevia
artigos no Tribuna da Madeira ,
desaÆou o dr. Alberto João a dizer
quando é que foi isso, onde, a
quem é que disse isso, que ele era
um dos homens e não esteve lá.
O que significa isso?
Que o dr. Alberto João não deve
ter estado. Eu penso que aquilo
eram mais aqueles homens que...
O Gabriel Drummond [que foi

deputado do PSD na Assembleia
Legislativa da Madeira e
presidente do município de São
Vicente] explicou-me: “Éramos
pessoas que vinham com aquela
energia, com aquela garra da
tropa e não aceitávamos aquela
situação que estavam a implantar
em Portugal e por isso éramos
contra e, como tínhamos a genica
da juventude, estávamos
disponíveis para tudo.”
Terrorismo da direita...
Exactamente. Terrorismo da
direita. Existiu a FLAMA, existiu a
FLA [Frente de Libertação dos
Açores], a FLA tinha mais intuitos
independentistas do que a
FLAMA, mas as bombas existiram
no país todo no período
gonçalvista, não foi só na Madeira
e nos Açores. Mesmo no Alentejo,
que é uma zona mais comunista,
pelo menos na altura, existiram
bombas. Isto signiÆca que havia
muita gente que mesmo sem ser
independentista...
Era bombista...
Era uma forma de amedrontar as
pessoas. Formou-se um grupo em
São Vicente que disse com
clareza: “Se for necessário, nós
expulsamos todos os comunas.”
A palavra era expulsar.
Os “cubanos”?
Os comunistas da Madeira. O
Francisco Simões, que hoje é um
grande escultor, foi posto no
aeroporto.
Essa limpeza também
contribuiu para a quase
homogeneização política que
se seguiu, com um mesmo
partido a ganhar
sistematicamente as eleições?
Sim, mas... É fácil dizer mal do dr.
Alberto João quando se tem tudo
em casa... As pessoas foram-lhe
dando as maiorias porque ele, de
facto, mudou a ilha. O dr. Manuel
Pestana Reis, que foi o director
do Diário da Manhã , órgão oÆcial
do Estado Novo, creio que em
1922 disse que um dia que a
Madeira se tornasse autónoma
seria descoberta novamente. E foi
o que aconteceu. Isto era uma
terra medieval. Os caminhos
eram caminhos de cabras,
quase...
Não há crítica a Jardim?
Eu penso que foi feita uma crítica
quando ele se vai embora, mas
não sei se resultou bem.

Houve renovação dentro do
mesmo partido...
Mas não sei se resultou bem.
Acho que foi a mediocridade que
tomou conta do partido.
Nivelou-se por baixo. O dr.
Alberto João é bastante
conhecedor da política. A minha
opinião é que teve um perceptor,
como os reis tinham.
Um perceptor?
O dr. Agostinho Cardoso, que era
tio dele. O Alberto João Æcou
órfão muito jovem e quem o
acompanhou na vida foi o dr.
Agostinho Cardoso, que foi
presidente da comissão distrital
do Funchal da União Nacional
aqui na Madeira e depois na ANP
[Acção Nacional Popular]. Foi o
deputado que mais tempo teve,
creio, na Assembleia Nacional.
Era o homem mais inÇuente aqui
na região e também tinha muita
inÇuência no continente.
Um berço fascista?
Não direi fascista, porque eu sou
de História e nunca houve
fascismo em Portugal, houve um
regime com características do
fascismo. O Salazar era um
homem conservador, era um
homem de gabinete, detestava
multidões. E o fascista, o homem
do facho, é um homem
galvanizador, que empolga
as multidões. As componentes
fascizantes que o Estado
Novo teve foram mais aceites por
ele do que queridas, porque de
facto havia fascistas... A União
Nacional era uma amálgama de

todas as facções políticas que
existiam na época.
Pode dizer-se que, com a
autonomia, houve uma espécie
de reforma agrária? Em 1977,
um decreto legislativo regional
pôs fim ao contrato-colónia,
uma forma de contrato
regulado pelo direito
consuetudinário que hoje
muita gente já nem saberá que
existiu na Madeira durante
séculos.
Não reforma agrária no sentido
que se falou no pós-25 de Abril no
continente... O contrato-colónia
era uma espécie de servidão. O
colono estava sempre ligado à
terra e tinha de servir sempre o
senhor sem contrapartidas. O
proprietário da terra cedia-a ao
colono, que tinha obrigação de a
tornar arável. O colono punha
tudo em cima da terra, tudo, até
às benfeitorias (os canais de rega,
as levadas, e as casotas para
guardar as alfaias agrícolas, os
palheiros, tudo isso era o colono
que fazia). O colono trabalhava a
terra e tinha de dar o metade do
que desse ao senhor. Quando as
terras já tinham benfeitorias, o
colono tinha apenas direito a um
terço da colheita.
O truque, para acabar com
isso, foi determinar que as
benfeitorias valiam mais do
que a terra?
Por isso é que o colono Æcou com
as terras. O senhorio vendeu por
tuta-e-meia. E nisso houve um
trabalho meritório de muita gente.
Claro que o PSD é que era maioria,
é que liderou isso, mas houve um
trabalho de gente de outros
partidos, do PS, do PCP, e até de
gente que não tinha partidos. Era
uma questão de cidadania.
Conclusão: a expressão
“colono” manteve-se na
Madeira até depois do 25 de
Abril de 1974.
Sim, até depois do 25 de Abril. Eu
quero dizer uma coisa: eu acho
que a Universidade da Madeira é
a obra máxima da autonomia,
porque permitiu que muita gente,
que não tinha condições para ir
estudar para o continente,
conseguisse fazer cursos aqui e
ser hoje quadro do governo
regional e da região.

Havia gente dentro


da FLAMA que


tinha ideais
independentistas,

mas a grande


maioria estava ali


para se opor à
ditadura

comunista


A mediocridade


tomou conta
do PSD-Madeira

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