Público - 25.08.2019

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Público • Domingo, 25 de Agosto de 2019 • 13

SOCIEDADE


Viver perto de um hospital


não garante mais anos de vida


No território de Portugal continental,
o tempo de deslocação entre a sede
de um concelho e um hospital públi-
co com serviços de urgência pode
variar entre poucos minutos e mais
de uma hora de viagem de carro. Nos
municípios do litoral entre Lisboa e
Porto e no Algarve, não demora mais
do que 20 minutos. No interior norte
e no Alentejo estão os concelhos onde
essas viagens duram mais do que 40
minutos.
A demora pode ser problemática,
se o doente tiver um acidente, um
ataque cardíaco ou um enfarte —
situações em que a chegada rápida
às urgências é crucial para a sobrevi-
vência —, mas não tem um impacto
signiÆcativo na longevidade. As con-
clusões são de dois investigadores do
Nova Health Economics & Manage-
ment Knowledge Center da Nova
School of Business and Economics
(SBE), em Lisboa. O trabalho, que faz
parte de uma investigação sobre a
distância entre o hospital e a saúde
da população, foi publicado no Ænal
de Julho.
Os investigadores calcularam a dis-
tância da sede de cada concelho de


Cerca de 40% dos municípios estão, em


média, a mais de meia hora de distância


de um hospital, mas também é aí que os


habitantes vivem mais anos


Fonte: Investigação da Nova Health Economics & Management Knowledge Center da Nova SBE PÚBLICO

Tempo de viagem da sede
do município ao hospital
mais próximo
Em minutos

Menos de 15
16 a 30
31 a 45
46 a 60
Mais de 60

municípios que estão mais distantes
(60 minutos ou mais) das urgências
mais próximas parecem ter vivido
em média mais tempo do que
aqueles que demoram entre 0
e 10 minutos.”
No município de Bar-
rancos, em Beja, por
exemplo, uma viagem
até ao hospital mais próxi-
mo demora cerca de 1h25.
Ainda assim, em 2017, a
média das idades dos habitantes
quando morrem é de 81,5 anos. Já em
Loures, onde basta uma viagem de
três minutos da sede do concelho até
ao hospital, os residentes vivem cerca
de 76,3 anos.

Continuar investigação
A investigação em causa faz parte de
um dos trabalhos desenvolvidos por
Eduardo Costa e pela colega Laman
Orujova para a obtenção do grau de
doutoramento em Economia. A
questão de partida que colocaram
prendia-se com o impacto do encer-
ramento de hospitais no bem-estar
da população. Concluem que, “em
média, não foram identiÆcados pro-
blemas de saúde signiÆcativos e per-
sistentes a quem vive longe dos hos-
pitais”. E deixam um conselho:
“Quando estiver a pensar comprar
casa, não se preocupe muito se não
estiver do outro lado da rua do hos-
pital.”
Eduardo Costa, um dos investiga-
dores responsáveis pelo trabalho,
admite que os resultados não eram os
que se esperavam à partida. “Aquilo
que temos levanta mais questões do
que [dá] respostas.”
“As populações em grandes áreas
metropolitanas (mais próximas dos
hospitais) são diferentes das popula-
ções nas áreas rurais (em termos
demográÆcos e comportamentos de
saúde, por exemplo), o que pode
explicar parte dos resultados”,
dizem os investigadores no trabalho
publicado.
Agora, será preciso olhar para
outros indicadores que ajudem a
explicar estes resultados — nomeada-
mente, as estatísticas sobre a preva-
lência de determinadas doenças ou
hábitos prejudiciais para a saúde e
dados demográÆcos. O grande entra-
ve é a indisponibilidade de encontrar
algumas dessas estatísticas actualiza-
das a nível municipal.

[email protected]

Saúde


Rita Marques Costa


Portugal continental ao hospital
público mais próximo com serviço de
urgência — foram considerados ape-
nas os estabelecimentos com serviços
de urgência médico-cirúrgicos e com
serviços de urgência polivalente; os
hospitais com serviço de urgência
básica foram deixados de fora. Esses
dados foram cruzados com a infor-
mação sobre a esperança de vida em
cada concelho.
“Poderíamos supor que estar mais
longe de um hospital seria negativo
para a saúde em diferentes dimen-
sões: os serviços de saúde tornam-se
menos acessíveis, os indivíduos
enfrentam maiores custos de viagem
e tempo e, para situações urgentes,
estar mais longe do hospital pode
condicionar bons resultados”, escre-
vem os investigadores.
“No entanto, quando comparamos
o tempo que leva a chegar à urgência
mais próxima com a média das idades
do óbito para cada município, não
observamos esse padrão”, acrescen-
tam. “Os habitantes que enfrentam
menos tempo de viagem para os ser-
viços de urgência mais próximos
parecem não viver mais tempo do
que os moradores de municípios que,
em média, gastam mais tempo para
chegar ao pronto-socorro. Mais sur-
preendentemente, os moradores dos

No litoral, urgências estão a 20 minutos de distância


JOANA GONCALVES
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