Público - 25.08.2019

(ff) #1

16 • Público • Domingo, 25 de Agosto de 2019


ECONOMIA


400 pessoas subiram a serra da


Estrela para dizer “não ao lítio”


Vários grupos de cidadãos e associações


ambientais organizaram um protesto no


ponto mais alto de Portugal continental


para se manifestar contra o potencial


impacto da exploração do minério no país


São 10h da manhã de sábado e
Mário Inácio está sentado num dos
terrenos nas imediações da torre
da serra da Estrela. A cada pessoa
que vai ali chegando, vai pedindo
que aguarde enquanto a
organização prepara o lugar.
Adverte para que se tenha cuidado
com as pequenas bandeiras que
estão estrategicamente
posicionadas no chão, servindo de
guias aos cilindros de tecido
colorido que é preciso desenrolar
para formar o desenho
previamente preparado.
Veio de Travancinha, uma aldeia
do extremo ocidental de Seia, no
concelho da Guarda, que faz
fronteira com Oliveira do Hospital,
já no distrito de Coimbra. Há quem
venha vindo de mais longe. A
organização deste protesto contra
a exploração de lítio em Portugal
preparou transporte de vários
pontos da região — Gouveia, Viseu,
Tábua, Castelo Branco, entre
outros — para levar quem estivesse
interessado em participar. E foram
cerca de 400, estimam os
organizadores, entre os quais se
contam o Movimento contra
Mineração na Beira Alta e na Beira
Interior, Awakened Forest Project,
Wildlings, ReÇorestar Portugal,
Tamera, Teia da Terra e Por Uma
Estrela Viva.
A mensagem desta acção
promovida por estes grupos de
cidadãos e associações ambientais
era clara: “Pôr pressão no
Governo.” E “não só contra a
extracção de lítio, mas pelo
restauro dos ecossistemas”, aÆrma
Laura Williams, uma das
organizadoras. Britânica, mas a
viver há dez anos na aldeia da
Benfeita, em Arganil, está
preocupada com o impacto que a
extracção de lítio possa vir a ter na


região. E as pessoas acompanham
essa preocupação? “Quando
ouvirem falar sobre isto, sim, vão
Æcar preocupadas. Essa é uma das
razões pelas quais queremos
chamar a atenção para este
assunto.”
O potencial de extracção não se
esgota nas proximidades da
Estrela, aponta Samuel Infante,
da Quercus. “Estamos a falar de
quase 10% do país que neste
momento está sob ameaça de
prospecção”, aÆrma o engenheiro
do Ambiente. “Temos aqui pessoas
de vários pontos do país que
poderão ser afectadas por esta
mineração, quando existem
alternativas para o
desenvolvimento também
geradoras de riqueza e postos de
trabalho”, acrescenta.
No fundo, é também a
preocupação com o impacto no
ambiente que leva Mário Inácio a
subir a serra para ajudar a dar
corpo ao protesto. No seu caso, é
também uma questão de
proximidade. Há cinco anos
investiu com o companheiro numa
quinta de 50 hectares em
Travancinha. O objectivo do
projecto pelo qual deixou a
Holanda, onde vivia, e que ainda
está em fase de construção, seria
criar um local de ioga e meditação,
No entanto, com a possibilidade de
se instalar nas redondezas uma
exploração de lítio, vê os planos
em risco. “Vai-nos levar à ruína”,
resume.
Também da organização, Lynn
Mylou, uma holandesa que se
mudou para a Benfeita há dois
anos, explica que a escolha do
local é simbólica, uma vez que
uma fatia signiÆcativa dos pedidos
de prospecção inclui uma área que
quase rodeia a serra da Estrela.
Olhando para o mapa dos pedidos
de exploração submetidos à
Direcção-Geral de Energia e
Geologia, nota-se que as áreas
contornam o Parque Natural da

Serra da Estrela, da serra do Açor à
serra da Gardunha, deixando
apenas uma abertura a sudoeste.
Só nos primeiros seis meses de
2019 foram apresentados 22
requerimentos para exploração de
lítio em Portugal. Todos foram
feitos pela mesma empresa.
O Governo tem incentivado a
prospecção de lítio em território
nacional, onde se encontra uma
das maiores reservas da Europa
deste metal utilizado para o
fabrico de baterias. Este é um
ponto essencial apresentado na
estratégia de descarbonização da
economia, algo que Samuel Infante
questiona. “É preciso fazer as
contas”, responde Samuel Infante.
E é esse cálculo que a Quercus vai

apresentar amanhã, refere o
responsável, sem adiantar muita
mais informação. Contudo, refere
que o estudo da associação
ambientalista “não só contraria
todas as intenções do Governo de
atingir a neutralidade carbónica,
como pode pôr em causa esses
objectivos”. E acrescenta:
“Estamos a falar de uma indústria
extremamente pesada que vai
emitir imenso CO2.”

Árvore com pessoas dentro
À medida que o sol se vai
aproximando do zénite, neste dia
ameno de Agosto, as pessoas vão-se
aproximando da Ægura formada
pelos panos estendidos no solo. A
concepção é da autoria de John

A mensagem


desta acção


promovida por


estes grupos de
cidadãos e

associações


ambientais era


clara: “Pôr pressão
no Governo.” E

“não só contra a


extracção de lítio,


mas pelo restauro
dos ecossistemas”

Reportagem


Camilo Soldado (texto)


Sérgio Azenha (fotos)

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