Público - 25.08.2019

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18 • Público • Domingo, 25 de Agosto de 2019


Tudo vale no amor e na guerra e na
guerra comercial entre os Estados
Unidos, a China e a Europa nem o
vinho francês é sagrado. Donald Tusk,
que começou por aÆrmar que esta
cimeira das sete maiores economias
do mundo e a União Europeia (G7),
na cidade francesa de Biarritz, será
“um teste difícil de unidade e solida-
riedade do mundo livre e dos seus
líderes”, não tardou a ameaçar
Donald Trump de que a UE retaliará,
se os EUA aumentarem as taxas alfan-
degárias dos vinhos franceses.
“Se os EUA impuserem tarifas à
França, a UE responderá na mesma
moeda, a França poderá contar com
a solidariedade da UE”, avisou o pre-
sidente do Conselho Europeu. Tra-
tou-se de uma ameaça pouco consen-
tânea com o que aÆrmara momentos
antes: “Guerras comerciais levam à
recessão, enquanto os acordos comer-
ciais impulsionam a economia.”
“Tensões comerciais são más para
toda a gente”, sublinhou Emmanuel
Macron, Presidente francês, antes de
pedir maior contenção “para estabi-
lizar as coisas e evitar esta guerra
comercial que está a acontecer em
todo o lado”.
Indiferente à frente europeia apa-
rentemente sólida contra si no G7, o
chefe de Estado norte-americano
decidiu garantir, antes de partir de
Washington, que a guerra comercial
com a China é para manter e até
intensiÆcar e que não se importa nada
de a estender à Europa.
Trump anunciou novas taxas
alfandegárias a todas as importações
de produtos chineses (no valor de 75
mil milhões de dólares) para os Esta-
dos Unidos, apelando às empresas
norte-americanas que deixem de
investir na China, antes de se virar
para a França e exigir que esta acabe
com a sua taxa digital “injusta” ou os
EUA começarão “a tributar o seu
vinho como nunca”.


Tusk alertou Trump que, se impuser taxas


aos vinhos franceses, sofrerá retaliações


comerciais da UE. A cimeira que caminha


para a irrelevância procura “salvar”


a “comunidade política” internacional


O almoço de Donald Trump e Emmanuel Macron numa praia deserta

Prelúdio de uma cimeira que já se
esperava difícil (Angela Merkel refe-
riu que “o tempo vai ser escasso por-
que há tantos problemas”), mas
ameaça tornar-se ainda pior. A acre-
ditarmos em Tusk, de que este G
em Biarritz é o “último momento
para restaurar a comunidade políti-
ca”, as notas de abertura parecem
mais próximas de um requiem que
do Hino da Alegria.
“Espero que sejamos mais sábios
no nosso encontro aqui”, aÆrmou o
presidente do Conselho Europeu
procurando tocar uma nota menos
fúnebre.

Cidade sitiada
Lá fora, na cidade sitiada por 13 mil
polícias, mal chegaram os ecos dos
protestos e confrontos entre manifes-
tantes e as forças de segurança, habi-
tuais em todas as cimeiras do G7 dos
últimos anos. Detenções, feridos e
muitas palavras de ordem marcaram
o dia, embora bem longe de onde os
líderes das maiores potências do
mundo ocidental se iam juntando
para conversar — a agenda oÆcial
abria com um jantar ontem, mas as
discussões políticas estão marcadas
para hoje de manhã.
As autoridades francesas até insta-
laram um tribunal especial para julgar
todos aqueles que cometerem delitos
durante o tempo da cimeira. Algo que
não impediu milhares de manifestan-
tes antiglobalização e de “coletes
amarelos” de marcharem da cidade
francesa de Hendaia para a espanho-
la de Irún. E outros milhares de
encheram Baiona, outra cidade bal-
near francesa, a 8,5km de Biarritz,
onde a polícia recorreu a canhões de
água e gás lacrimogéneo para disper-
sar o protesto anticapitalista no cen-
tro histórico. Fontes policiais france-
sas falam em 17 detidos e quatro polí-
cias feridos nos confrontos.
“É mais dinheiro para os ricos e
nada para os pobres. Vemos a Çores-
ta amazónica a arder e o Árctico a
derreter. Os líderes têm de ouvir-
nos”, aÆrmou Alain Missana, electri-

cista e “colete amarelo”, citado pela
Reuters.
Macron aÆrmava, na quarta-feira,
que “vivemos uma crise de desigual-
dades”, resultado “da crise do sistema
capitalista contemporâneo”, um dis-
curso que não destoaria do pensa-
mento de muitos dos manifestantes
de Hendaia ou Baiona.
Na quinta-feira, a Oxfam publicou
um relatório em que aÆrma que “as
desigualdades de rendimento agrava-
ram-se em todos os países do G7 des-
de os anos 1980. Os 20% mais pobres
da população desses países não alcan-
çam, em média, mais que 5% do total
das remunerações, enquanto os 20%
mais ricos recebem cerca de 45%.”
Sobretudo, o que se alterou nos
últimos anos foi a forma como os EUA
abordam a sua política externa, prin-
cipalmente a sua diplomacia econó-

Cimeira


António Rodrigues


No G7, o “G” passou a ser


de guerra, guerra comercial


mica, em que o relacionamento com
as outras potências se tornou mais de
confrontação que de cooperação.
“No cenário internacional, há hoje
a percepção que os EUA deixaram de
interpretar o seu papel tradicional e
se calhar nunca mais terão esse papel
que desempenharam durante 75
anos”, explicava ao Washington Post
Jon B. Alterman, vice-presidente do
Centro de Estudos Estratégicos e
Internacionais. “Mas é ainda pouco
claro que papel desempenharão os
EUA e que consequências daí advi-
rão”, acrescentou.
Dessa imprevisibilidade do chefe
de Estado norte-americano também
se reveste esta cimeira do G7, a 45.ª
da história, “ameaçada com a irrele-
vância e fracturada como raramente
esteve”, como referiu Marc Bassets
no El País.

MUNDO


Guerras


comerciais levam à


recessão,
enquanto os

acordos


comerciais


impulsionam a


economia. Espero
que sejamos mais

sábios aqui
Donald Tusk
Presidente do Conselho Europeu
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