Público - 25.08.2019

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2 • Público • Domingo, 25 de Agosto de 2019

DESTAQUE


CRISE NO BRASIL


O ódio político


está a expulsar


brasileiros


do seu país


Portugal é um dos países que mais recebem os que se dizem


perseguidos pelas suas ideias políticas, num país em que a


polarização parece não ceder um milímetro. Histórias de quem


já cá está, quem já esteve e está outra vez e quem está a chegar


João Ruela Ribeiro


E


lisangela Rocha abre a porta
de sua casa, na Ameixoeira,
com um sorriso e ostenta
orgulhosa uma camisola em
que se pode ler “Mulheres
contra o fascismo”. No hall de
entrada está pendurada uma bandei-
ra com as cores do arco-íris, símbolo
do movimento LGBTI+. Mais tarde irá
conÆdenciar que usa aquela camiso-
la durante a entrevista com o PÚBLI-
CO propositadamente, por ser algo
que não poderia fazer no Brasil, país
onde vivia até há três meses.
Há cada vez mais brasileiros a aban-
donarem o seu país dando razões
políticas. Denunciam a instalação de
uma “ditadura” alicerçada num
ambiente de medo e insegurança ins-
tigado abertamente pelo Presidente
da República, Jair Bolsonaro. Os alvos
são activistas de defesa dos direitos
humanos, feministas, negros, homos-
sexuais, índios, ou simplesmente
quem defenda posições políticas que

contrariem o Governo e os seus
apoiantes — e isso pode signiÆcar ape-
nas sair à rua com uma T-shirt verme-
lha, a cor do Partido dos Trabalhado-
res (PT).
Este tipo de imigração deve-se a
causas tradicionais — como o estado
da economia ou o aumento da violên-
cia urbana —, mas é o ambiente polí-
tico o factor determinante para a
decisão de sair do país. Por outro
lado, a militância dos brasileiros tem-
se intensiÆcado fora de portas. Há
pouco mais de um mês, a Mídia Ninja
abriu uma casa em Lisboa, onde orga-
niza debates, conferências, concertos
e exibições de Ælmes. Na semana pas-
sada, promoveu em Berlim um
encontro de organizações políticas de
brasileiros no estrangeiro, em que
participaram alguns dos primeiros
exilados políticos do Brasil de Bolso-
naro, como o antigo deputado Jean
Willys ou a Ælósofa Márcia Tiburi.

A camisola de Elisangela
Elisangela e o marido, Renato, rece-
bem o PÚBLICO na sala, mas cedo se

percebe que este é território da Ælha
de quatro anos, Clarice. Não tem sido
fácil a adaptação da criança, que só
pode frequentar o infantário a partir
de Setembro e, por isso, quase não
fez amigos. Mas foi a pensar nela que
os pais deixaram a vida que tinham
no Paraná e vieram para um país
onde não conheciam ninguém.
O Brasil tornou-se um país violento,
especialmente para mulheres negras
e das classes mais baixas, diz Renato,
recordando que esse é o perÆl da
Ælha. “A Clarice adulta em Portugal
ou noutro país europeu e a Clarice
adulta no Brasil são duas pessoas dife-
rentes. Uma vai ter oportunidades
um pouco melhores, no sentido de
poder ser a pessoa que quiser; no
Brasil terá muitos mais obstáculos”,
explica o pai.
A família não planeia regressar bre-
vemente. Renato diz que há uma
“normalização da violência” no Bra-
sil, depois de anos de intensa polari-
zação política que só parece aumen-
tar com Bolsonaro no poder. “Esse
nível de normalização da violência vai
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