Público - 25.08.2019

(ff) #1

22 • Público • Domingo, 25 de Agosto de 2019


CULTURA


Num dos ponto mais altos de Lame-
go, no Horto do Castelo, um saxofo-
ne deixa escapar o som de notas
organizadas ao sabor da contempla-
ção para quem as quiser apanhar. O
músico que o toca tem como pano
de fundo uma paisagem em que há
encostas cultivadas e outras cober-
tas de casas.
Tudo estaria programado para
que aquela entrada fosse feita a solo,
para mais tarde entrar a banda que
o acompanha. Quis uma muito
jovem promessa da música nacional
(não teria mais de quatro anos) ante-
cipar o futuro e, sem hesitações,
juntar-se ao músico. A estrela em
potência — Jaime, entoou-se — ati-
rou-se a um teclado pousado no
chão e fez o melhor que sabia e
podia com dedos ainda suÆciente-
mente Ænos para se perderem no
espaço entre teclas. Já com a banda
em cena teve ainda tempo para
experimentar o saxofone para, mais
do que dar espectáculo, reter um
momento para a compilação de his-
tórias inesquecíveis que farão parte
da sua vida. Esta terá o título: “O dia
em que me juntei a Dada Garbeck
num concerto do ZigurFest.”
Um dia no futuro, quando Jaime,
muito mais velho, regressar ao pas-
sado, a bem da música nova que se
faz em Portugal, este festival terá já
montado nesta cidade do interior
muitas mais edições somadas à que
agora se realiza — a 9.ª, que arran-
cou na quarta-feira e terminou
ontem.
Este episódio não programado
junto ao castelo acaba por traduzir
na perfeição, simbolicamente, o
ADN de um evento quase familiar,
longe de ser apenas mais um festi-
val, pensado para ser uma montra
e espaço de reunião de músicos
nacionais que nos últimos tempos
deram nas vistas ou prometem vir
a dar. Parece ser mais correcto


dizer que o cartaz faz-se natural-
mente. Sem beliscar o olho clínico
da organização, que miraculosa-
mente consegue fazer esticar um
orçamento a rondar os 25 mil euros
para uma programação de cerca de
três dezenas de projectos musicais,
arriscamos dizer que parece que as
bandas não são escolhidas pelo
Zigur — por força do trabalho des-
envolvido, as bandas intrometem-
se no Zigur, como Jaime, sem pedir
licença. O festival só lhes abre a
porta e apenas uma vez (não há
nomes repetidos).

Um roteiro musical
por Lamego

E este ano, nos três primeiros dias
do festival, a porta abriu-se a cerca
de 15 bandas/músicos para tocarem
em cinco dos seis palcos numa espé-
cie de roteiro musical por Lamego,
também a celebrar as festas da cida-
de. Entre nomes já cimentados,
caso do roqueiro catedrático Adolfo
Luxúria Canibal, que ontem actuou
com o baterista Krake, num concer-
to inédito na noite em que tocam
também os Glockenwise, o Zigur
torna-se especial por ser espaço de
descoberta.
Será por isso que parece já ter
garantido um público Æel ao longo
das nove edições. Dias antes de o
evento arrancar já o parque de cam-
pismo, gratuito, como os concertos,
estava completo. São sobretudo de
Lisboa e Porto os que ali montam
tenda.
E é fácil de perceber o motivo des-
te regresso. Não é difícil gostar de
Lamego, uma cidade pequena, mas,
que para um festival desta dimen-
são, tem requisitos de sobra para
garantir o que é necessário. Apesar
dos seis palcos espalhados pela
cidade, não há sobreposições de
bandas e, acabando um bloco de
concertos num deles, já não se volta
lá mais. Há paragem para jantar e
uma variedade de espaços para os
momentos de pausa, com o restau-

Baleia Baleia Baleia ou David Bruno,
entre muitos outros que também
ganharam terreno.
Farão alguns dos nomes que por
lá passaram nos primeiros três dias
da edição deste ano parte deste qua-
dro de honra e do panorama musi-
cal nacional. Sem grandes surpre-
sas, Filipe Sambado, a tocar com os
Acompanhantes de Luxo na sexta-
feira num Teatro Ribeiro Conceição
(TRC) a rebentar pelas costuras, vol-
tou a mostrar por que razão já con-
quistou o seu lugar. Um dia antes,
no mesmo sítio, Jasmim, um primo
afastado do músico anterior e apa-
rentado com um Primeira Dama e
com outros nomes da pop mais açu-
carada que se faz por Lisboa, com
uma actuação competente, revelou
estar preparado para chegar onde

ConƊrmações e revelações.


Longa vida ao ZigurFest


Dada Garbeck, Conferência Inferno,


Terebentina, Algumacena ou Djumbai Jazz


são nomes para o presente e o futuro da


música portuguesa. Tocaram em Lamego,


num festival habituado à descoberta


Festival


André Borges Vieira


rante Nave e o café Maia a concen-
trar a preferência dos forasteiros.
Este último rivalizou com os after
hours do Mau Mau, com alguns
momentos espontâneos de sessões
de DJ em modo guilty pleasure saí-
dos de uma coluna bluetooth. Antes
das 4h são muitos os que não arre-
dam pé dali.
E depois há o que mais interessa
— a música. Em anos anteriores pas-
saram pelo Zigur bandas que mais
tarde se catapultaram para o espaço
público. Entre aÆrmações e conÆr-
mações e outros que foram ganhan-
do mais espaço estiveram ali nou-
tras edições Peixe:Avião, Dear
Telephone, Black Bombaim, Sensi-
ble Soccers, Ermo, Conjunto Coro-
na, HHY & The Macumbas, Primei-
ra Dama, Norberto Lobo, Surma,

Não é difícil gostar


de Lamego, uma


cidade pequena,
mas que para um

festival desta


dimensão tem


requisitos de sobra
para garantir

o que é necessário.


E a festa instala-se


nas ruas,
madrugada fora
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