Público - 25.08.2019

(ff) #1
Público • Domingo, 25 de Agosto de 2019 • 23

Neste festival que toma conta de Lamego
o ambiente é familiar e a música para todos
os gostos: Dada Garbeck, com Jaime (à esq.);
e, de cima para baixo, o público rendido a um
concerto à tarde, Algumacena e Terebentina

os seus “familiares” mais próximos
já chegaram.


O futuro da nova música


portuguesa


Na categoria do surpreendente e a
revelar outros argumentos longe
dessa fórmula já testada e validada
estiveram os Afta 3000, Dada Gar-
beck, Conferência Inferno, Tereben-
tina, 3I30, Algumacena, Djumbai
Jazz e o trompetista Luís Vicente
com João Valinho na bateria.
De raiz jazz, a tocarem no Horto
do Castelo, na quinta-feira, os Afta
3000 são precisos como um relógio
suíço e suÆcientemente inventivos
para se soltarem das amarras do lado
mais clássico do género que prati-
cam. Guiados por um baixo de seis


cordas irrequieto trilham um cami-
nho que passa também pelo progres-
sivo mais virtuoso, assente em con-
tratempos de uma bateria que pro-
gride em ritmos quebrados e um
saxofone que recorre a efeitos mode-
lares, numa cama de back in tracks
pré-gravados. Na sua essência são
jazz, mas a nível de atitude estão
mais perto de ser uma banda rock,
embora por vezes metam um pé no
funk e até no hip-hop.
Que este trio não se perca de vista,
assim como também não se deixe
escapar uma oportunidade para
assistir ao improviso do trompetista
Luís Vicente (actuou antes de Sam-
bado na noite seguinte), apoiado
pelo baterista João Valinho, a trilhar
o lado mais solto e experimental do
jazz. Dentro do espectro musical de
um Peter Evans, o free jazz em que
se emaranha merece chegar a mais
gente.
A surpreender quem já o conhecia,
o vimaranense Dada Garbeck não
chegou a Lamego sozinho. Consigo
trouxe um quarteto clássico de vozes,
outra voz mais livre a apoiá-lo e o
incrível Ricardo Martins, baterista
com ligações a Lobster, Jibóia, mais
recentemente aos Pop Dell’Arte (tam-
bém já passaram pelo Zigur), e agora
Ægura de proa dos Algumacena que
partilha com Alex D’Alva Teixeira.
O músico que, apoiado em sinteti-
zadores e teclados, musicalmente
viaja entre o Médio Oriente e algumas
referências tradicionais portuguesas,
arriscou numa formação mais alar-
gada para quem habitualmente se
apresenta a solo. Mesmo que a deter-
minada altura parecesse não estar
tudo a correr bem no que ali apresen-
tou, é impossível não ser engolido
por um universo feito de temas lon-
gos e inebriantes criados por um
músico que é bem capaz de ter um
fonte de inspiração inesgotável.
Há algo de estranho no material
que apresenta, mas ao mesmo tem-
po magnético. Louva-se a coragem
para se atirar a uma actuação no
formato apresentado, correndo o
risco de lhe sair o tiro pela culatra.
Não aconteceu.

Dançar a Guiné
e o darkwave

Mais consensuais, os sons da Guiné
dos Djumbai Jazz serviram de
momento mais festivo numa tarde
quente a convidar à dança. Os músi-

cos lançaram o isco: “Esta música é
para dançar. Senão vai ser um des-
perdício.” Só no Ænal é que o públi-
co acedeu ao apelo para bailar ao
som dos guineenses que podem
tocar em qualquer sítio que abra as
portas à world music.
Sem grande esforço, os Conferên-
cia Inferno, do Porto, puseram
quem estava na primeira noite no
jardim do Museu de Lamego a dan-
çar. O duo, apenas com sete meses
de actividade, faz uma espécie de
darkwave de inspiração pós-punk
com recurso a maquinaria, com um
vocalista que atira palavras de for-
ma a fazer lembrar tanto um Ian
Curtis como, noutro planeta musi-
cal, um Jon Spencer. Apenas com
um EP, lançaram malhas pegajosas
com ritmos e batidas que durante
dias diÆcilmente saem da cabeça.
Com muita margem de progressão,
pede-se para os próximos tempos
uma longa duração para seguirem
para a estrada.
Vizinhos dos Conferência Inferno,
mas muito longe do som do duo, os
Terebentina pertencem à ala mais
suja e psicadélica que tem saído da
Invicta, onde mora também o som
dos Sereias. Entre sopros, guitarras
frenéticas perto do registo mais noi-
se , uma secção rítmica desligada do
resto e um vocalista num registo
spoken words furioso, são uma ban-
da para ser vista ao vivo. Têm tudo
o que é necessário para se aÆrma-
rem como uma das bandas nacio-
nais mais interessantes a nível de
performance.
Quem há muito deixou de ter de
provar o que vale em palco é o bate-
rista Ricardo Martins. Chegou ao
Zigur com os seus novos Algumacena
que partilha com Alex D’Alva Teixei-
ra, num registo muito distante do
pop de massas da outra banda do
vocalista (D’Alva) que aqui também
assume a guitarra. Mais punk, a roçar
o hardcore que se faz de refrães mais
emo, a banda que tocou na Rua da
Olaria na sexta-feira tem a possibili-
dade, pelos nomes que a compõem,
de sair do circuito mais underground
onde moram outras bandas do géne-
ro. Não seria nada que os comprome-
tesse ou que não mereçam.
No último dia do festival, ontem,
actuaram além de Adolfo Luxúria
Canibal num concerto inédito com
Krake, Glockenwise, Tiago e os Tin-
tos, Daniel Catarino, Ivy, Mynda
Guevara, Chinaskee e Zentex.

O cartaz deste festival faz-se


naturalmente. Sem beliscar a
organização, podemos dizer que

as bandas não são escolhidas pelo


Zigur — por força do seu trabalho,


intrometem-se no Zigur


CORTESIA: ZIGURFEST/JOSÉ CALDEIRA CORTESIA: ZIGURFEST/JOSÉ CALDEIRA

CORTESIA: ZIGURFEST/VERA MARMELO

CORTESIA: ZIGURFEST/VERA MARMELO
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