Público - 25.08.2019

(ff) #1
Público • Domingo, 25 de Agosto de 2019 • 3

Depois de


devaneios


com o espírito


liberal, a


sociedade civil,


o mercado


e a social-


-democracia,


o PS dá sinais


de regresso a


uma das suas


origens, a mais


estatizante


e jacobina


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Pré-publicação
Em cada tiro de um
indonésio que mata um
timorense, quem puxa
o gatilho é Portugal

Pompidou 28.000
a.C. A invenção
da Pré-História,
a modernidade
e a crise do museu

Ensaio
Metamorfoses
Híbridos

O Partido Socialista e o Estado


P


or mérito próprio e
demérito dos seus
adversários, é
provável que o Partido
Socialista ganhe as
próximas eleições.
Faltam poucas semanas e não se
vêem sinais vencedores de outros
partidos. Também é possível, mas
não provável, que ganhe as
eleições com maioria absoluta.
Haverá, talvez, nova solução de
Governo, não necessariamente a
mesma que temos hoje.
O exame dos programas
eleitorais já foi exercício
interessante. Eram programas
para serem lidos. Raras vezes
para serem tomados a sério, mas
eram peças de doutrina que
signiÆcavam alguma coisa. Hoje,
a sua leitura é cada vez mais uma
perda de tempo. São enormes,
mal escritos, têm de cobrir todas
as áreas, prioridades, eleitores,
tribos e interesses. É, aliás,
provável que sejam elaborados
para não serem lidos. Têm só de
ser feitos. Mas, com mais de uma
ou duas centenas de páginas, não
se destinam evidentemente a ser
lidos. Nem por proÆssionais.
Vale a pena olhar para o
programa do PS, com 140 pesadas
páginas. É o provável vencedor e
a maior parte dos outros ainda
não está disponível. O programa é
interessante porque traduz o seu
actual carácter. Não é programa
de Governo, esse virá depois das
eleições. Muitos capítulos deverão
ser ponderados, mas,
globalmente, há algo a salientar. O
PS está a viver o seu momento
mais estatal, dirigista e
centralizador de sempre. A sua
viragem à esquerda, a Æm de
impedir o progresso do Bloco e do
PCP, Æca aqui consagrada. O
reforço do Estado está bem visível
neste programa.
O PS não se propõe “libertar”
energias, cidadãos, empresas,
autarquias ou iniciativas. O PS
propõe-se enquadrar, comandar,
dirigir, orientar e, numa palavra,
fazer. O PS não quer deixar fazer,
não deseja que outros façam,

quer fazer. E o que ele não Æzer,
proíbe ou diÆculta.
O programa erige o Estado em
salvador da sociedade. O Grande
Leviatã está de regresso. Depois
de devaneios com o espírito
liberal, a sociedade civil, o
mercado e a social-democracia, o
PS dá sinais de regresso a uma das
suas origens, a mais estatizante e
jacobina. Este programa
conÆrma, acima de tudo, o papel
do Estado, o enquadramento pelo
Estado, a iniciativa do Estado e a
intromissão do Estado na vida dos
cidadãos.

N


ão, não vale a pena
recear o
comunismo do PS,
que não está no
programa. Aliás,
basta o Estado
português e os “fundos” da UE
para substituírem, com vantagem,
o comunismo clássico. Já não são
de recear os efeitos do actual
Governo, isto é, o PC não
conseguiu converter o PS. Pelo
seu lado, o Bloco comoveu os
socialistas, deu-lhes inspirações
para a superstrutura, os
comportamentos, as virtudes, a
ética, o sectarismo cultural e a
correcção política, mas não
parece ter convencido nas áreas
mais importantes do sistema
político, da democracia
representativa e da economia de
mercado. Pode, todavia, recear-se
a deriva autoritária do PS no que
toca às regras de vida colectiva, a
sociedade dirigida pela virtude e
o endeusamento do Estado.
Fazer, ordenar, proibir,
organizar, comandar: essas são as
palavras do PS, esses são os
temas! Aqui, não se pensa em
libertar, demolir muros, remover
obstáculos, permitir... Só se pensa
em fazer, mobilizar, planiÆcar...
Deixar fazer é impensável.
Permitir é sinal de fraqueza.
Antigamente, governava-se por
campanhas. As de África Æcaram
na história. Na República e no
Estado Novo, prosseguiu-se e
desenvolveu-se a tradição com as

Grande angular


António Barreto


Campanhas de Alfabetização e de
Educação de Adultos, com a
Campanha do Trigo ou da
Vacinação contra a Tuberculose.
No início da democracia, a
famigerada Campanha de
Dinamização Cultural foi a mais
interessante de todas: a pretexto
de sensibilização democrática,
lançou-se um dos
empreendimentos mais
totalitários da história política
portuguesa.
Com o Æm das campanhas,
apareceram os planos. Mais
intelectuais e aparentemente mais
sérios. Surgiram assim os Planos
de Fomento. Logo a seguir à
Revolução de 1974, passou-se a
um Plano de Desenvolvimento
Económico e Social, seguido das
veleidades constitucionais das
Grandes Opções do Plano e do
Plano a longo prazo. Agora,
entrámos na fase das plataformas,
dos programas e dos planos
nacionais, às dezenas. Planos para
tudo e para todos. Para as artes, o
regadio, a literacia, a energia e os
transportes.
Hoje, verdadeiramente
soÆsticada é a noção de estratégia.
Estratégia nacional para isto ou
para aquilo. Acompanhada de um
ou vários observatórios.
Estratégia implica inteligência.
Sugere esforço organizado. Exige
mobilização e sensibilização.
Motivação e recursos. Neste
programa, entre as já existentes e
as novas, agora propostas, há
dezenas de estratégias nacionais,
como, por exemplo: de
Mobilidade Activa, para a
Igualdade e a Não-Discriminação,
para a Inclusão das Pessoas com
DeÆciência, de Combate à
Pobreza, para a Integração dos
Sem-Abrigo, da Indústria 2030,
para a Bioeconomia Sustentável
2030, para o Mar 20/30, para a
Reutilização de Águas Residuais,
de Educação Ambiental, para
uma Protecção Civil Preventiva,
de Desenvolvimento Integrado
das Regiões de Fronteira, de
Empreendedorismo e de Turismo


  1. Sociólogo


Sem esquecer, evidentemente,
os planos nacionais. São dezenas
deles: Ferrovia 2020, de Literacia
Democrática, de Leitura, das
Artes, Sectorial da Defesa
Nacional para a Igualdade, de
Gestão Integrada de Fogos Rurais,
de Segurança Rodoviária
2021/2030, Energia e Clima 2030,
de Promoção de BiorreÆnarias
2030, de Gestão das Regiões
HidrográÆcas, de Gestão de
Riscos de Seca, de Gestão de
Riscos de Inundação, de
Ordenamento das Albufeiras de
Águas Públicas, Poupança
Floresta, de Acção para a
Economia Circular, de Acção
Litoral XXI, de Situação do
Ordenamento do Espaço Marinho
Nacional, de Aquacultura em
Águas de Transição e não Æcamos
por aqui. Ainda faltam os
programas nacionais, os fundos,
as bolsas e as plataformas.

P


ara tudo isto, é
necessário ter
instituições, leis
orgânicas,
funcionários,
subcontratações,
ajustes directos, impostos e
conÆança política. Pode não ser
totalitário, mas este Estado é
partidário, ineÆciente,
burocrático e autoritário. Não
desenvolve nem deixa
desenvolver. Não cria riqueza
nem deixa criar.
O Estado pode ser uma das
grandes criações da Humanidade.
Mas também é capaz de ser, tal
como o Æzeram os comunistas, os
fascistas, os nazis, os
corporativistas, os
revolucionários do Terror e
outros, um dos maiores horrores
da espécie humana. No outro
extremo, a ausência e a fraqueza
de Estado, tal como querem os
neoliberais e os anarquistas,
podem ser a raiz de outras formas
de totalitarismo e de selvajaria.
Entre os dois modelos, o PS
oscila.

Ficha técnica
Director Manuel Carvalho
Directora de Arte Sónia Matos
Editor Sérgio B. Gomes
Designers Marco Ferreira e Sandra Silva

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os outros
a olhar
para nós

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