Público - 25.08.2019

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6 • Público • Domingo, 25 de Agosto de 2019


Çoresta tropical, a Terra — e o seu clima.
O projecto continua a decorrer e a produzir
novas descobertas. Ao longo dos anos, tem
contado com a participação de centenas de
investigadores e dezenas de instituições. Foram
descobertas múltiplas novas espécies, algumas
delas baptizadas em honra do pai do projecto:
Polycyrtus lovejoyi, Euryhaliotrema lovejoyi,
Picumnus Squamulatus lovejoyi
.
Mas após ter publicado alguns artigos sobre
a experiência e ter percebido o quão limitado
era o impacto público das suas descobertas
cientíÆcas, Thomas Lovejoy deu um novo rumo
ao seu trabalho. Compreendeu que para salvar
a Çoresta a investigação não chega. São precisos
embaixadores. Pôs a pesquisa de lado e come-
çou a trabalhar na sua rede de contactos. E
levou pessoas inÇuentes à sua base na selva:
Al Gore, Tom Cruise ou o antigo chefe de re-
dacção do Washington Post Ben Bradlee.
Queria que experimentassem de perto a ma-
gia da Çoresta tropical, acreditando que o bri-
lho dos cogumelos bioluminescentes e os mui-
tos outros fenómenos naturais iriam deixar
uma impressão duradoura. “Todas as pessoas
que aqui estiveram dizem que isto mudou as
suas vidas”, aÆrma Lovejoy.


Cuidado com as formigas


Uma semana antes da expedição nocturna de
Julho de 2018, Tom Lovejoy senta-se no banco
de trás de uma Toyota Hilux. Tem 77 anos, mas
não parece ter mais de 60. Roupa verde e cas-
tanha de safari, chapéu panamá, binóculos à


volta do pescoço e sapatilhas amarelo-néon.
Está a caminho do Acampamento 41, o acam-
pamento-base da sua experiência, situado a 80
quilómetros a norte de Manaus, a maior cidade
da bacia amazónica. Dado o estado das estra-
das, a viagem dura um dia inteiro. O caminho
serpenteia ao longo do rio Negro, o maior
aÇuente do Amazonas. Estamos no Æm da es-
tação das chuvas e o nível do rio está cerca de
15 metros acima da média. Da estrada avistam-
se barcos por entre as copas das árvores. Aqui
e ali, botos cor-de-rosa surgem à superfície.
A bacia do Amazonas é o mais diversificado
ecossistema do mundo, abrigando cerca de um
quarto de toda a Çora e fauna existentes. O rio
com o mesmo nome é o lar de mais espécies
de peixes do que todos os outros rios do mun-
do somados entre si. Um quinto de toda a água
doce do mundo Çui aqui. O rio Amazonas é o
maior, mais largo, mais longo e mais rico em
água da Terra. Ao longo do rio, na bacia ama-
zónica, encontra-se metade da restante Çores-
ta tropical do mundo, estimada em sete milhões
de quilómetros quadrados – mais ou menos o
tamanho da Europa continental. Juntos, a Ço-
resta e o rio produzem o seu próprio clima,
que por sua vez inÇuencia o clima global. Cer-
ca de 20% de todo o oxigénio do mundo é pro-
duzido pela Çoresta tropical, que também ar-
mazena 80 mil milhões de toneladas de dióxi-
do de carbono — tanto quanto a humanidade
produz numa década. Cada árvore que é cor-
tada tem impacto no clima global. “Cada pro-
blema da Çoresta tropical é um problema glo-
bal”, diz Lovejoy.

Percorridos 41 quilómetros, a caravana vira
para um caminho estreito que entra pela Ço-
resta dentro. À esquerda e à direita a vegetação
parece penteada para os lados, mas decorridos
alguns metros volta invariavelmente a endirei-
tar-se. Um pouco mais à frente, os motoristas
param. Vários troncos de árvores bloqueiam a
estrada, depois de terem sido desenraizados
pelas fortes chuvas. Enquanto os motoristas
desimpedem o caminho com machetes e mo-
tosserras, Lovejoy salta da carrinha. O colete
bege de safari é uns tamanhos acima do seu,
fazendo-o parecer mais pequeno e mais jovem
do que realmente é. Os dois professores, ma-
rido e mulher, saem da segunda pick-up e re-
cuam, surpresos, como se Æsicamente atingidos
pela luz e pelo calor. Ao sol estão uns insupor-
táveis 40 graus, 100% de humidade e não se
sente uma brisa, por pequena que seja. A ofus-
cante luz do sol reÇecte o solo argiloso. Lovejoy
junta o grupo enquanto os motoristas, em tron-
co nu e encharcados em suor, continuam a
cortar os troncos caídos. Levanta da vegetação
rasteira uma folha de samambaia do tamanho
de um homem e segura-a à sua frente, abanan-
do-a como um leque gigantesco. “A Çoresta
tropical é um local seguro para as pessoas”,
assegura-lhes, “na maior parte do tempo.”
Vira a folha de samambaia ao contrário. Na
parte de baixo há uma protuberância seca e
castanha. “Um ninho de vespas”, revela Love-
joy, fazendo uma pausa até ter a atenção de
todos. “Nunca cheguem uma folha para o lado
se não souberem o que está do outro lado.”
A sós Tom Lovejoy é um homem calmo, pre-

O Acampamento 41
Em cima, o acampamento-base
da experiência de Lovejoy, a 80
quilómetros de Manaus, a maior
cidade da bacia amazónica.
Dado o estado das estradas,
a viagem dura um dia inteiro
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