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ilustrada
C4 Sexta-Feira,23DeagoStoDe 2019
- Maria LuísaBarsanelli
SÃOPAULOSe há algo quese po-
de dizer sobreacarreiradeDa-
vidBowieéque ela nuncafoi
óbvia. Chamado decamaleão,
ocantorecompositorbritâ-
nicotransitou porgêneros e
lançoutendências, mas sem-
prenumcaminho labiríntico.
Nãoseria diferenteem“La-
zarus”,musical idealizado por
ele que estreounocircuito off-
Broadwayem dezembrode
2015 ,ummês antes de sua mor-
te.Há, como se poderia imagi-
nar,uma sensação de finitude
que envolveapeça.Mas não só.
“Bowie transformouques-
tões pessoais emideias bas-
tanteamplas,gostavadetra-
balharcripticamente”,diz Feli-
pe Hirsch, diretordaprimeira
montagem brasileiradomusi-
cal, que estreiaagoraemSão
Paulo.“Entãoexisteuma nave-
gaçãosensorial, emocional, e
nãouma obviedadetemática.”
“Lazarus”éumacontinua-
çãode“OHomem que Caiu
naTerra”,livrodoamericano
WalterTevis que deu origem
ao filme homônimo,de 1976 ,
comBowie no papel principal.
Atrama acompanha Thomas
JeromeNewton, um alieníge-
na quevemàTerraparatentar
salvaroshabitantesdeseu pla-
neta, onde quasenão há mais
recursos naturais. Aqui, ele vi-
ra um ricoempresário de pa-
tentestecnológicasedesco-
breasolidãoeoalcoolismo.
Omusical se passaquatro
décadas maistarde. Newton
não envelheceunadaepare-
cepreso notempo,sobrevi-
vendocomdoses de gim.Ele
estánuma eternaefrustra-
da busca porretornar ao seu
planetaenavegaentre figu-
rasrealistaseoutrasfantas-
magóricas,como se alternas-
se entrerealidadeedelírio.
“A históriaéumpoucoso-
brealcoolismo,sobreperder
os limiteseopoucotempo
que setemnavida. E, ao mes-
motempo,querervoltar para
um porto”,comentaHirsch.
Bowie sereferia ao próprio
vício,umafase nos anos 1970
quando usavacocaína —não
àtoa,incluiu na trilha da pe-
ça “A lwaysCrashingintheSa-
me Car”, sobreuminciden-
teem queocantordecidiu
retaliar um traficantenarua.
Tambémexploravários sen-
tidos do nomedoespetácu-
lo.Decara, eleevocaoperso-
nagem bíblicoLázaro, aquele
quefoiressuscitado porJesus.
MasBowietemoutrafonte, a
poeta Emma Lazarus —a au-
tora do sonetoestampado na
base da Estátua da Liberda-
de aindainspiraumperso-
nagem da peça.Éumafor-
ma, diz Hirsch, de tratardos
recentes fluxos de imigração
edaaceitação do outro.
Masamorteestá, sim, pre-
sente.Acriação doespetácu-
lo coincidiucomadescoberta
docâncer que levariaàmorte
deBowie,emjaneirode 2016 ,
aos 69 anos.“Lazarus”eseu
últimodisco, “Blackstar”,vie-
ramimbuídos da ideia de fini-
tude eficaramconhecidosco-
moum epitáfio docompositor.
Sempreàsua maneira, claro.
“Bowie questionaomedo
em sua plenitude, queéane-
gaçãodamorte”,comentaum
JesuítaBarbosa decabelos
descoloridos parainterpretar
oNewtondaversãobrasilei-
ra .“Aqui ele invoca algum hu-
morparaquestionaramorte,
cria letrasirônicas, mistura
arranjos darkcomdeboche.”
“Lazarus”écosturado por
20 canções deBowie —por
questõescontratuais,todas
serãocantadas em inglês. Há
sucessos antigos,como “He-
roes”e“LifeonMars?”,mas a
maioriavemdos últimos ál-
buns,“TheNext Day” e“Black
Star”, criados quandooartista
já ensejava aprodução de um
espetáculo. “A lgumas músicas,
como‘Valentine’s Day’,játêm
esseformato[cênico],têm
personagens”,contaHirsch.
Odiretor nãoéavesso ao
universo da música. Sempre
investenasonoridade de suas
peçaseéele próprio grande
fã deBowie,mas éaprimeira
vezque encenaum musical.
Nãousa, porém,alinguagem
tradicional dogênero. Tanto
que ele selecionouatoresde
perfis diversos,comcarreira
naTVenocinema,comoJesu-
ítaBarbosa, ou noteatro mu-
sical, caso de Bruna Guerin.
Echamou paraadireção
musical MariaBeraldo e
MariáPortugal,artistas que
exploram sons autorais eex-
perimentais. “Queriapesso-
as que transcendessem essa
figuradoBowie”,diz Hirsch,
que preparaoutromusical,
agoracomTomZéede nome
provisório “Língua Brasileira”.
SegundoBeraldo, aideia
eratrazerarranjos que man-
tivessemaessência dascan-
ções, mas trouxessemaperso-
nalidadedas duas artistas.O
resultadoéumtantointi-
mista,comvozesemotivas e
instrumentos distorcidos.
“Nossareleituraconversa
comesse lado abismal do ser
humano”,comentaPortugal.
Nesseconceitodetranscen-
dência,ocenário de Daniela
ThomaseFelipeTassarabrin-
ca comaideiade gravidade.
Sobreopalco, há uma plata-
forma móvel, que cria inclina-
ções diferentesedesestabiliza
oandardo elenco.Espelhos
ao fundoeprojeçõesgeomé-
tricas ajudamacriarovisual
distorcido,que Hirschcom-
paraàsensação deverman-
chasluminosas quando se
fecha os olhos. Enfim,esse
universo labirínticodeBowie.
Espetáculo deFelipe
Hirsch inaugura
teatro naPaulista
Aestreia de “Lazarus” mar-
caaabertura doTeatroUni-
med, na esquina da ruaAu-
gustacomaalamedaSantos,
naregião paulistana dosJar-
dins.Acasa ficanoprimeiro
andar de um prédio desenha-
do pelo arquitetoIsayWein-
feld. Quem chegaaolocal en-
contraabilheteria jánotér-
reo, ao lado docafé Perseu.
Oteatrotem um palcode
100 metros quadradoscom
uma bocadecena (a parte
da frentedotablado)bastan-
te ampla, além de umfosso
paramúsicos.São 249 lu-
gares, divididosentreuma
plateia inferioreum balcão.
Acuradoria do espaço,
que deve contarcompeças e
shows, estáacargode Moni-
que GardenbergeJeffreyNe-
ale,daprodutoraDueto—
responsávelporeventosco-
mooFreeJazzFestivaleaex-
posição sobreacantoraBjörk
que estevenoMIS paulistano.
Lazarus
teatroUnimed-al. Santos,2.159.
Qui .asáb., às 21h,dom., às 18h.até
27/10. ingr.: r$ 80ar$180. 16 anos
Vício, doresolidão
embalam musical
de David Bowie
que chega ao país
‘Lazarus’,criado poucoantes da morte do
cantor,estreia em São PaulocomJesuíta
Barbosacomoalter egodoastrodorock
- IaraBiderman
SÃOPAULOJovens bailarinos
coreanosexperimentam um
k-pop frenéticosoboolhar
devovós. Camponesas,ca-
beleireiras,comerciantes,as
veneráveisvelhinhasacom-
panhamadança,commovi-
mentosmaiscontidos, mas
comigual entusiasmo.
“Dancing Grandmothers”,ou
avósdançando,dacoreógrafa
sul-coreanaEun-Me Ahn,abre
aprogramação da Bienal Sesc
deDançaedáotom doeven-
to,de 12 a 22 de setembro,em
Campinas, no interior paulista.
Diversidade decorpos, in-
fluências popemilenares, so-
breposiçãode linguagens —
um panoramada dançacon-
temporânea serárepresenta-
do por artistas de oito estados
brasileirose 12 países.Aorga-
nizaçãoédeCristianDuarte,
Fabricio Floro, SilvanaSantos,
Rita AquinoeLuciane Ramos.
Naobradeabertura,apla-
teia poderá conheceruma das
mais importantescoreógra-
fasdaCoreia do Suleentrar
na dançadesuacompanhia.
Éoqueopúblicointernacio-
naltemfeito, levantandodas
cadeiras para acompanhar o
final do espetáculo,quando
bailarinosevovósse juntam
numa baladaaosomde uma
espécie detechno-batucada.
Amisturadereferênciasé
umaconstantenaprograma-
ção, mas nemtudotemcli-
ma decelebração. Há bastan-
te destaque paraoscorpos
marginalizadoseperiféri-
cos—otal docorpo político.
“Acuradoriaestáatenta
ao que estárolando,aoste-
mas importantes”,diz Da-
niloSantos de Miranda, di-
retordoSesc emSãoPaulo.
Há“A Dançaque Ninguém
QuerVer”,dogrupo Giradan-
ça,doRio Grande doNorte; o
“Canto dos Malditos”,dopau-
listaMarcosAbranches;aobra
da espanhola La Ribot parao
grupo portuguêsDançando
comaDiferença; ou bailarinos
comdeficiênciafísicausando
muletasecadeiras derodas na
obradaaustríacaDorisUhrich.
Hátambémo“Peso Bru-
to”, docorpo negroegordo
dabailarinaJussaraBelchi-
or ouanegritudeurbana de
Leandro Souza,tremendo e
girando inspirado pelo trân-
sitodas grandes cidades.
Outros espetáculosexplo-
ramaspossibilidadesda ar-
te queeredos corpos não bi-
nários. Os “Stripteases Con-
temporâneos”,deJorge Alen-
car, resumem as trajetórias es-
tético-eróticas de performers
daBahia, misturando lingua-
gens decabaréedo burlesco.
Já acoreógrafaThelmaBo-
nativa revisita otropicalismo
de “Eu Sou umaFrutaGogoia”
nocorpo não binário de Pedro
Galiza.Essa espécie de antro-
pofagia dançadatambémvai
surgirexplícitanatrilogia da
uruguaiaTamaraCubas,que
“digeriu” obras dos brasileiros
Marta Soares, Marcelo Evelyn
eLia Rodrigues para criar seus
espetáculos.
Opiauense Evelyn, que na
última Bienal de Dançadivi-
diu opiniõescompassos bru-
tosedesafiadores,voltaneste
anocom“AInvenção daMal-
dade”. Éumritualcoreográ-
ficocombailarinos dançan-
do nusemvoltadefogueiras.
Asapresentações serãore-
alizadas emvários espaços
de Campinas —Sesc,Teatro
CastroMendes, Unicamp,
centros culturais, ruas, pra-
çaseoterminalrodoviário.
Serão maisde 50 açõescê-
nicas, incluindo espetácu-
los, performanceseinsta-
lações,comoaobradeví-
deodoamericano William
Forsythe,inéditanoBrasil.
Bienal Sesc de Dança
em Campinas (vários espaços),de
12 a22desetembro. Programação
completa: bienaldedanca.sescsp.org.br
Bienal de Dança
levaantropofagia
coreografada e
k-popparaidosos
ao interior de SP
OatorJesuítaBarbosacomo oalienígena Newton emcena de ‘Lazarus’ Divulgação
Bowie
nopaLCo
Saiba quais
são as canções
do musical
‘Lazarus’
‘It’s No Game
(Part 1)’
‘This Is Not
America’
‘The ManWho
Sold theWorld’
‘No Plan’
‘LoveIsLost’
‘Changes’
‘WhereAre
We Now?’
‘Absolute
Beginners’
‘Dirty Boys’
‘Killing A
LittleTime’
‘Li fe on Mars?’
‘All theYoung
Dudes’
‘Sound and
Vision’
‘Always
Crashing in
the SameCar’
‘Valentine’s
Day’
‘When I
MetYou’
‘Heroes’