Elle - Portugal - Edição 376 (2020-01)

(Antfer) #1

40 ELLE PT


FOTOS: IMAXTREE (5)

uniram, na esperança de “limpar” uma indústria que há muito
era assombrada pelo escândalo e pela corrupção. Mas será que
alguma coisa iria realmente mudar?
Há muito que se fala de abusos na indústria da moda. Na
verdade, um grupo de modelos já tinha tentado denunciar
esta situação algum tempo antes. Em 2001, Karen Mulder


  • uma das supermodelos originais – revelou que tinha sido
    violada por agentes e até encorajada a usar heroína e cocaína.
    No entanto, a entrevista que deu à televisão francesa foi con-
    siderada tão controversa que foi retirada do ar e as alegações
    desapareceram, com várias pessoas a dizerem que a confissão
    de Mulder tinha origem na sua instável saúde mental (da qual
    recuperou desde então). Em 2011, Jamie King, agora uma atriz
    de sucesso, confessou que sentiu tanta pressão para manter um
    corpo equivalente ao de uma jovem de 14 anos, que acabou
    por desenvolver um vício de drogas. Coco Rocha queixou-se
    de problemas de peso semelhantes: «Dizem às raparigas que
    não são suficientemente magras, ou então coisas como “ela é
    velha, ela não tem interesse, já desfilou para nós. Já não é tão
    magra como costumava ser.”»
    Embora todas estas histórias sejam chocantes, nenhuma
    delas levou a indústria a mudar o seu comportamento. O
    post de James Scully foi apenas a ponta do icebergue. Muito
    provavelmente por o diretor de casting ter uma reputação de
    defensor das mulheres, e por ter sido capaz de falar abertamente,
    enquanto várias modelos sofriam em silêncio com medo de
    arruinaras suas carreiras.


post de Scully coincidiu com o zeitgeist. Com o
movimento #MeToo – despoletado pelo escân-
dalo de Harvey Weinstein – de um lado e com
os alegados abusos na Igreja Católica do outro,
vivia-seumambiente de raiva crescente e as vítimas começaram
a falar,criandoum verdadeiro movimento. O crescimento das
redes sociais, com milhares de utilizadores, também ajudou
a divulgar esta questão a uma velocidade vertiginosa. E foi
assim que, em 2017, um grande segredo tinha sido revelado,
tornando-se impossível de ignorar.
O Estatuto das Modelos foi criado em setembro do mesmo
ano, antes do início do mês da moda, com a ajuda da diretora
de casting Ashley Brokaw, de Cyril Bryle (fundador da Viva
Model Management) e de Marie-Claire Daveu (diretora de
Sustentabilidade da Kering). Elaborado em duas semanas, foi
rapidamente difundido para ser implementado nos desfiles.
Daveu teve um papel fulcral, devido ao seu cargo de orien-
tadora de responsabilidade social na Kering, no qual trabalha
para uma implementação, de forma ética, de boas práticas
no seio do grupo. Embora tivesse consciência do problema,
diz que a elaboração do Estatuto e a parceria com a LVMH
foram aceleradas pelo movimento online. «Descobrimos (o
problema) graças às redes sociais e às reações das modelos»,

Publicaram um comunicado no qual Boina descreveu Scully
como “impreciso e difamatório”. E a resposta da Lanvin, na
altura, foi: «Estas alegações são sérias e completamente falsas.»
O efeito deste post fez-se sentir muito para lá da internet.
A reunião de Scully com Pinault – e mais tarde com Antoine
Arnault, diretor de comunicação e imagem na LVMH (pro-
prietária da Louis Vuitton, da Celine e da Christian Dior, entre
outras) – deu origem ao Estatuto das Modelos, um documento
desenvolvido pelos dois conglomerados de marcas de luxo e
concebido para proteger as modelos dos abusos que sofrem.
Foi a primeira vez que estas duas importantes empresas se

ESTILO


Em cima,
imagem da
publicação
feita no
Instagram por
James Scully.

O

Free download pdf