Elle - Portugal - Edição 376 (2020-01)

(Antfer) #1

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diz, falando connosco entre reuniões. «Era o momento
certo para formalizarmos as nossas expectativas, pois
queríamos trabalhar com as modelos e elaborar um novo
tipo de enquadramento.»
De acordo com o Estatuto, as marcas apenas devem trabalhar
com modelos que apresentem um certificado médico válido
atestando que estão aptas para trabalhar, com mulheres que
vistam mais do que 34, e homens que vistam mais do que XS.
As marcas devem também fornecer comida e bebida, sendo
o álcool proibido na maioria dos estúdios de fotografia. As
modelos devem ter privacidade quando trocam de roupa, e
toda a nudez em fotografia deve ser previamente aceite. Daveu
descreve o Estatuto como uma forma de «definir com integri-
dade e responsabilidade aquilo que desejamos que sejam as
condiçõesdetrabalhoe saúdeparaas modelos».

indústriaempenhou-sena mudança.Emdezembro
de2017,o BritishFashionCouncil(BFC)lançou
a iniciativaModelsFirst,queenvolveumextenso
guiadeboaspráticasparaas agênciasdemodelos,
abrangendoumgrandenúmerodesituaçõesquevaidesdeo
scoutingatéà gestãodasredessociaisdasmodelos.«Temos
reuniõescommodelose estilistas,quenosexplicamos de-
safiosqueenfrentam.Sãocomoumacaixaderessonância»,
conta-nosCarolineRush,diretoradoBFC.«Tivemosalgumas
conversasbastantedifíceisao longodosanos.Asagênciasmais
tradicionaisestãoagoraa implementaras boas
práticas– e istoestáa serpartilhadocomas
agênciasmaisrecentes.»
Asmodelostambémsãoencorajadasa ade-
riraoEquity(umsindicato),paraassegurar
quetêmrepresentantesindependentes.Paraas
maisjovens,istoé vital.A ELLEabordouvárias
modelos para este artigo, mas apenas algumas concordaram
em participar, sugerindo que ainda não se sentem à vontade
para falar sobre o tema. Karlina Caune, que agora tem a sua
própria agência e trabalha com a Elizabeth Arden e a revista
Numéro, foi uma das raras exceções. Por email, contou-nos
que, em dezembro de 2012, um fotógrafo a pressionou para
fazer uma sessão nua. «O meu agente veio o mais depressa
possível e geriu a situação, protegendo-me de um idiota sem
qualquer noção do que é aceitável ou moral», escreveu-nos.
«Nem todas as mulheres têm esse apoio – o Estatuto de Modelo
protege essas raparigas. É importante!»
Hoje, dizer que alguém teve um comportamento suspeito é,
corretamente, aplaudido. Mas há dez anos, quem o fazia era visto
como um desmancha-prazeres. Avril Mair, diretora de moda
do grupo Hearst UK, dá um exemplo. «O Terry Richardson
estava “só a ser o Terry” – se tivesses um problema com isso,
não eras nada cool ou então eras muito conservadora», conta.
«Hoje, essa pessoa é uma heroína.»

Já passaram dois anos desde o grande momento de 2017.
Desde então foram vários desenvolvimentos, sobretudo em
relação à questão da idade. Em março deste ano, a Kering
anunciou que, a partir de 2020, as suas marcas não irão tra-
balhar com modelos menores de 18 anos, medida que serve
para proteger as raparigas mais novas de um ambiente para o
qual podem não estar preparadas. «Quando tens 18 anos, tens
uma certa maturidade psicológica para fazer este trabalho»,
diz Daveu. «Mas se és uma jovem adolescente, não. Há uma
grande diferença entre ter 16 e ter 18 anos.»
Para chegarem a este ponto, a LVMH e a Semana da Moda
de Londres ainda têm um longo caminho a percorrer (Rush
diz que isto entra em conflito com as leis do emprego no Reino
Unido e poderia ser visto como discriminação, embora uma
modelodevater 16 anosparapoderdesfilarnaSemanada
ModadeLondres).«Oqueimportanãoé tantoa idade,mas
as condiçõesemquea modelotrabalha»,explicaAntoine
Arnault,quepedeum“ambienteprotegido”paraas mode-
losentreos 16e 18anos.«Baniras modelosdessaidadenão
vaiimpedi-lasdetrabalhar.»Masas agênciasdemodelosjá
estãoa veros efeitosnosseusrecrutamentos,afirmaScully:
«EmParis,a papeladanecessáriaparatrabalharcomomodelo
tornou-setantaquefezcomqueo fluxodemodelosmaisno-
vasdiminuísseem50%.»Nestaestação,foiimpressionante
vermulheresde 40 anos– CarolynMurphy,StellaTennant,
ChristyTurlington– a seremas estrelas.

Mas o que mudou realmente nestes dois anos? Com as mar-
cas da LVMH e da Kering a aderirem ao Estatuto e, segundo
Scully, marcas como a Prada a implementarem as suas próprias
versões do mesmo, o dia a dia de uma modelo melhorou con-
sideravelmente. Rush garante que há mais privacidade nos
bastidores e que as modelos veem as suas necessidades básicas
serem reconhecidas, além de agora terem um certo nível de
conforto. E os predadores estão a desaparecer. «Hoje em dia,
se alguém fizer alguma coisa, as pessoas destroem-no no Ins-
tagram. Este movimento também deu destaque a uma nova
vaga de fotógrafos como Ethan James Green – que fotografou
para Alexander McQueen, Dior e The Row – e é conhecido por
trazer uma nova honestidade à fotografia de moda.»
É claro que a indústria das manequins não se transformou do
dia para a noite. Caune diz-nos que, embora algumas histórias
mais mediáticas tenham trazido os maus comportamentos para
a praça pública, as próprias modelos ainda acham difícil falar
sobre o tema, citando Terry Richardson como o exemplo de

ESTILO


«A AUTORREGULAÇÃO VOLUNTÁRIA
POR SI SÓ NÃO VAI ERRADICAR OS ABUSOS MAIS
COMUNS NA INDÚSTRIA.» SARA ZIFF, MODELO

A

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