Elle - Portugal - Edição 376 (2020-01)

(Antfer) #1
ELLE PT 43

FOTOS: IMAXTREE (4)


um fotógrafo que, apesar dos inúmeros escândalos, continua
a trabalhar. Os críticos do verdadeiro impacto do Estatuto
questionam-se sobre o que, na realidade, mudou. Quando
perguntamos a Caune se notou alguma diferença, a resposta é:
«Para ser honesta, na verdade, não. A indústria tem tendência
para agir apenas em relação a certos assuntos.»
Sara Ziff – que já desfilou para criadores como Stella Mc-
Cartney – criou a Model Alliance em 2012. Ziff foi descoberta
com 14 anos, e um fotógrafo pediu-lhe para tirar o soutien logo
num dos seus primeiros castings. Lembra-se de questionar a
sua segurança e a das suas colegas, mas ter sido ignorada de
imediato. «As nossas preocupações eram trivializadas pelos

agentes, que pareciam mais interessados em manter as suas
relações com os abusadores do que em proteger-nos.» Quando
eventualmente decidiu falar sobre o assunto – em 2010 lançou
o documentário Picture Me, que falava dos abusos na indústria
–, enfrentou uma reação muito negativa. «Fui tratada como
uma marginal. Falar abertamente sobre o tema teve conse-
quênciasmuito negativas, não foi nada fácil.»

iff defende que o Estatuto das Modelos gerou «uma
boa mediatização do tema, mas não tratou adequa-
damente as preocupações nem eliminou os abusos
que as modelos enfrentam». De acordo com ela, o
Estatutoapenas criou diretivas para uma indústria não regu-
lamentada,ou seja, que não são legalmente vinculativas. «A
autorregulação voluntária por si só não acaba com os abusos
sexuais, com a exploração financeira nem com outros abusos
comuns», afirma. Para combater isso, a Model Alliance lançou,
em 2018, o programa RESPECT. Com o apoio das modelos
Edie Campbell e Doutzen Kroes, a RESPECT exige a criação
de um Código de Conduta legalmente vinculativo que deve
ser assinado pelo empregador da modelo. «A única maneira
de erradicar este problema estrutural, que torna as modelos
muito vulneráveis, é através da criação de acordos vinculativos
que façam com que as empresas sejam responsáveis pelas suas
condições de trabalho», diz Ziff. Rush concorda. Haver mais
documentação oficial seria útil: «Não há dúvida de que podem
acrescentar-se cláusulas aos contratos, para que as modelos
possam dizer: “Isto não é o que foi acordado.” Muitas das
modelos mais novas não têm a certeza do protocolo.»
Apesar de tudo, houve alguns resultados. «A geração mais
nova de editores e criadores tende a ser mais vanguardista na
maneira de pensar e, em geral, aprecia o trabalho da Model
Alliance», explica Ziff. Mair acredita que há bons sinais de
mudança na indústria, trazidos pelos novos membros do
establishment. «Ter a Maria Grazia [Chiuri], que é uma
feminista, na Dior, é um enorme catalisador de mudança»,
diz. Ela dá como exemplo o facto de Chiuri desenhar lingerie
para as modelos usarem debaixo da roupa, nos desfiles da Dior.
«Esta cultura de respeito é o que mais vai causar impacto para
que haja uma mudança na indústria», diz Mair.
Claro que, para esta mudança durar e evoluir, a indústria
inteira tem de se alinhar. Quando lhe perguntámos qual
seria o próximo passo, Daveu explicou-nos que era uma
abordagem “passo a passo”. Para causar uma mudança
real, a consistência e a perseverança são fundamentais. «É
importante não dizer “Temos um Estatuto, decidimos im-
plementar a regra da maioridade” e é esse o fim da história.
Não, este é apenas o início», defende.
Ziff vai mais longe: «Estamos a trabalharparaprevenir
abusos na indústria. Está também nahoradecriarum
ambiente genuíno de responsabilização.» L.C.

Z

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