Elle - Portugal - Edição 376 (2020-01)

(Antfer) #1

54 ELLE PT


como foi. Mas fui apenas eu. Tenho um cérebro um pouco
excêntrico, por isso, para mim, é claro que o vestido fazia
sentido. Estava a aparecer para tomar uma posição sobre a
“Don’t Ask, Don’t Tell” [a política norte-americana que
permitia que homossexuais servissem o exército desde que
não admitissem a sua homossexualidade]. Fui ao evento
com soldados que foram dispensados do exército porque se
assumiram, ou foram descobertos, e, para mim, se alguém
está disposto a dar a vida pelo seu país, será a orientação
sexual ou a identidade de género importante? Para mim,
a mensagem era “carne é carne”, e foi essa a intenção do
vestido feito com carne. Para mim, não era chocante; foi
chocante para o mundo. E tenho de dizer que foi muito re-
centemente – depois de ter feito Assim Nasce uma Estrela,
de ter trabalhado com o Bradley Cooper e de ter ganhado
um Oscar – que disse para mim própria: “Tens uma missão
maior nesta terra do que assustar as pessoas. A tua missão é
dar-lhes uma forma de amor que as eleve através da tua arte.”
TENHO DE LHE FAZER UMA PERGUNTA SOBRE O BRAD-
LEY. NOUTRO DIA ESTIVE SENTADA NA COZINHA DELE,
ENQUANTO ELE TOMAVA CONTA DA FILHA, E FOI MARA-
VILHOSO VÊ-LO A SER PAI.
Ele é um pai maravilhoso.
NÃO É? ELE TEM TUDO CONTROLADO. NA ALTURA, FALÁ-
MOS DOS RUMORES SOBRE VOCÊS, NO ANO PASSADO.
ELE DISSE QUE SE FOSSE VERDADE, NUNCA CONSEGUIRIA
OLHÁ-LA NOS OLHOS QUANDO ESTIVERAM JUNTOS AO
PIANO NA CERIMÓNIA DOS OSCARS.
Absolutamente, absolutamente.
ELE DISSE QUE A CULPA CATÓLICA NUNCA LHE TERIA
PERMITIDO OLHAR PARA SI NOS OLHOS QUANDO ES-
TAVAM AO PIANO. COMO SE SENTIU COM TUDO ISTO NA
ALTURA? AGUENTOU MUITO BEM.
Muito francamente, a imprensa é muito idiota. Nós cons-
truímos uma história de amor. Como performer e atriz,
claro que queria que as pessoas acreditassem que estáva-
mos apaixonados. E queríamos que as pessoas sentissem
esse amor durante os Oscars. Queríamos que isso fosse
transmitido pelas câmaras e que fosse visível em todas as
televisões. E trabalhámos arduamente nisso, trabalhámos
durante vários dias. Pensámos em tudo – foi orquestrado
como uma performance.
E ORQUESTRARAM TUDO MUITO BEM.
Sim. Para ser sincera, quando falámos sobre isso, dissemos
“fizemos um trabalho excelente”.
E FOI MESMO. COLOCOU TANTA ENERGIA NESTE FILME
E ELE TORNOU-SE UM DOS GRANDES FILMES DO ANO.
COMO FOI QUANDO TUDO ACABOU? COMO É QUE DISSE
ADEUS À PERSONAGEM ALLY E A TODA A EXPERIÊNCIA?
Bem, na verdade, a personagem Ally ficou comigo muito
tempo. Ao desempenhar este papel, tive de reviver muito

até disse: “As minhas impressões digitais estão em todo
o lado, como na cena de um crime.” Por outro, senti que
tinha a plataforma para construir as bases em torno do que
defendo, ou seja, esta empresa surgiu de certa forma como
uma insurreição contra o status quo dos padrões de beleza
dos nossos dias, que está presente de diversas maneiras nas
redes sociais. De diferentes formas, é um desfile de beleza.
Esta marca existe num espaço cultural influente, onde
dizemos: “A nossa Haus, as suas regras.” E todas as pessoas
são bem-vindas – todas as identidades de género.
ENTÃO, A MISSÃO DESTA LINHA É SER INCLUSIVA PARA
TODAS AS IDENTIDADES DE GÉNERO?
Todas as identidades de género, todas as identidades raciais,
todas as pessoas, de todas as idades. É para toda a gente.
NÃO SE ESPANTA CONSTANTEMENTE COM O PODER QUE
A BELEZA TEM DE ESTIMULAR AS PESSOAS? LEMBRO-
-ME DE ESTAR NUM HOSPITAL NA ETIÓPIA A DISTRIBUIR
BATONS, ONDE MULHERES ESTAVAM A RECUPERAR,
E ALGUMAS DELAS TENTAVAM LITERALMENTE RASTEJAR
DA CAMA PARA CHEGAR ATÉ ELES.
É realmente poderosa. Quando era jovem, não me sentia
nada bonita e quando deixei a universidade e disse aos meus
pais que queria ser artista, eles não ficaram muito contentes.
Tinha três empregos, pagava a minha própria renda e, depois,
ia comprar maquilhagem. Fiz umas experiências com cores
e analisava o meu reflexo no espelho e, literalmente, criei-
-me. Inventei a Lady Gaga. E isso fez-me sentir-me forte,
fez-me sentir-me poderosa. Sofro de depressão desde pe-
quena, mas a maquilhagem foi como se um super-herói
saísse de dentro de mim, foi como o Clark Kent e o Super-
-Homem – deu-me asas para voar. E é por isso que também
me recuso a mudar. Enquanto a minha carreira progredia,
mesmo antes de ser famosa, quando as pessoas diziam: “Oh,
a maquilhagem, é demasiada maquilhagem, é excessiva,
bla, bla, bla”, eu respondia: “Esta é a minha força de vida,
o que me ajuda a voar.”
ESTOU CURIOSA. CONTINUA A SENTIR PRESSÃO PARA
SE SUPERAR CONSTANTEMENTE? É UMA CORRENTE
QUE A PRENDE?
Agora já não. Mas costumava ser, Oprah, e eu tenho de ser
completamente verdadeira consigo: costumava dar voltas
à cabeça a pensar no que poderia fazer... Em vez de chocar
(costumava dizer que era arte choque ou arte performativa),
usaria a palavra confundir, que basicamente é pôr a audiência
num estado de confusão tal que não podia deixar de olhar.
Era habitual pensar: “O que vou fazer agora para voltar a
atrair a atenção das pessoas?”
DEPOIS DO VESTIDO FEITO DE CARNE, PENSOU “O QUE
VOU FAZER AGORA”?
Bem, quanto ao vestido feito de carne, muito francamente,
não pensei que fosse um choque para as todas as pessoas

STA RS


s
Free download pdf