Elle - Portugal - Edição 376 (2020-01)

(Antfer) #1

58 ELLE PT


CABELO: FREDERIC ASPIRAS COM PRODUTOS JOICO - MAQUILHAGEM: SARAH TANNO COM PRODUTOS HAUS LABORATORIES - MANICURE: MIHO OKAWARA - PRODUÇÃO JOY ASBURY

STA RS


TAMBÉM FAZ TERAPIA COMPORTAMENTAL DIALÉTICA
(TCD), NÃO É?
Sim, na realidade, tenho um professor. Penso que a TCD é
maravilhosa; é uma maneira maravilhosa de lidar com pro-
blemas de saúde mental.
PERGUNTEI, PORQUE TENHO MUITAS RAPARIGAS NA MI-
NHA ESCOLA [OPRAH WINFREY LEADERSHIP ACADEMY
FOR GIRLS, NA ÁFRICA DO SUL] QUE ESTÃO A LUTAR COM
A AJUDA DESSA TERAPIA.
É uma maneira excelente de aprender a viver, é um guia para
aprendermos a perceber as nossas emoções.
TEMOS DE CONTINUAR NESTE TEMA. QUERO SABER O
QUE É QUE ERA PARA SI INSUPORTÁVEL E QUANDO É QUE
PERCEBEU QUE A SOLUÇÃO ERA SIMPLES?
Acreditava que não conseguiria ultrapassar o meu trauma.
Mesmo. Sentia dor física, mental e emocional. A medicação
funciona, mas é preciso fazer também terapia para que funcione
verdadeiramente, porque há uma parte que depende muito
de nós próprios.
ESTE SOFRIMENTO VEM DA FIBROMIALGIA?
Sim. Apesar de existirem diferentes teorias sobre a fibromial-
gia – para mim, a minha fibromialgia e a minha resposta ao
trauma estão de mãos dadas. A fibromialgia para mim é uma
dor mais ligeira; a reposta ao trauma é muito mais pesada e,
na verdade, reflete a forma como me senti quando fui larga-
da num canto de uma rua depois de ter sido repetidamente
violada durante meses. É um sentimento recorrente. Tive um
surto psicótico num determinado momento e foi das piores
coisas que me aconteceram. Fui levada para as urgências e
fui vista por um psiquiatra. E eu só gritava e dizia: “Alguém
pode trazer-me um médico verdadeiro?” Não percebi o que
estava acontecer, porque o meu corpo estava paralisado.
Dissociei-me completamente. Gritava, mas depois conse-
guiram acalmar-me e dar-me a medicação para quando isto
me acontecesse – olanzapina.
ESTOU FAMILIARIZADA COM ISSO. TENHO CENTENAS DE
RAPARIGAS, POR ISSO, NADA QUE DO QUE POSSA DIZER-
ME VAI SER UMA SURPRESA.
Sim, então, tomei metocarbamol, e olanzapina, que é prova-
velmente o mais importante – ajudou-me naquele dia e aquele
homem e os meus amigos salvaram a minha vida.
ESTA É A MINHA ÚLTIMA QUESTÃO: O QUE ACHA QUE A
VIDA ESTÁ A PEDIR-NOS?
Acredito que a vida esteja a pedir-nos que aceitemos o desafio.
Que aceitemos o desafio da gentileza, da bondade. É difícil no
mundo em que vivemos; temos uma história muito, muito,
sombria. Estamos em apuros e já estivemos antes, mas acho
que a vida está a pedir-nos que, no meio deste desafio, deste
desprezo, desta tragédia, desta fome, desta guerra, desta cruel-
dade, possamos ser gentis e possamos sobreviver. n

da minha carreira. Não sei como se sente quando representa,
mas eu não sinto que estou a filmar. Filmo como se estivesse a
viver a personagem e é um momento da minha vida, portanto
revivi tudo outra vez e demorei algum tempo a afastar-me.
Quando ganhei o Oscar pela música Shallow, olhei para o
troféu e um repórter perguntou-me: “Quando olhou para
o Oscar, o que viu?” E eu disse-lhe: “Vi muita dor.” E não
menti naquele momento. Fui repetidamente violada quanto
tinha 19 anos. A minha carreira traumatizou-me de diversas
formas durante alguns anos devido a diferentes coisas, mas
sobrevivi e continuei. E quando olhei para o Oscar, vi dor.
Não sei se alguém conseguiu entender isto quando o disse,
mas foi isso que vi.
VIU A DOR QUE TEVE DE SENTIR PARA CHEGAR ÀQUELE
MOMENTO. PORQUE QUANDO SE É VIOLADA, PARTICU-
LARMENTE REPETIDAMENTE E NESSA IDADE, TEM-SE
TRANSTORNO DE STRESSE PÓS-TRAUMÁTICO DURANTE
ANOS DEVIDO A ESSES ACONTECIMENTOS.
Sofro disso. Tenho dor crónica. Terapia para a dor neuropática
faz parte da minha vida a um nível semanal. Tomo medi-
cação; tenho vários médicos a seguirem-me. Foi assim que
sobrevivi. Mas sabe, Oprah, continuei em frente e quero que
aquela criança, ou mesmo aquele adulto, que esteja a passar
por uma situação terrível saiba que pode continuar a avançar,
que pode sobreviver e que pode vencer um Oscar. E quero
também realçar que devem pedir ajuda quando se sentirem
preparados. Também sugiro que as pessoas que veem outras
sofrerem se aproximem delas e digam: “Olá, estou a ver-te.
Vejo que estás a sofrer e estou aqui. Conta-me a tua história.”
QUE É O MELHOR PRESENTE QUE PODEMOS DAR A OU-
TRA PESSOA. POR ISSO, PENSO QUE A MENSAGEM “EU
VEJO-TE”, EM AVATAR, FEZ DE JAMES CAMERON UM DOS
FEITICEIROS DA NOSSA GERAÇÃO. NÃO HÁ NADA MAIS
PODEROSO DO QUE ISSO.
É verdade. Nunca falei muito sobre isto, mas penso que é algo
importante as pessoas saberem e ouvirem: automutilei-me
durante algum tempo, e a única forma de parar de me cortar e
de me magoar foi percebendo que o fazia para mostrar às pessoas
que estava a sofrer, em vez de lhes dizer e pedir ajuda. Percebi que
dizer a alguém “olá, tenho vontade de me magoar” apaziguava
essa vontade. Tinha, então, alguém ao pé de mim para me dizer:
“Não tens de me mostrar nada. Apenas diz-me o que estás a
sentir agora mesmo.” E, depois disso, poderia apenas contar a
minha história. Digo isto com muita humildade e força; sinto-
-me muito grata por já não o fazer e não quero glamorizar esta
situação. Algo que quero sugerir às pessoas que estão a sofrer
em resposta a um trauma, ou a automutilar-se ou com ideias
de suicídio, é o gelo. Se puser as suas mãos numa taça com
água gelada, isso vai provocar um choque no sistema nervoso
e isso vai trazê-lo de volta à realidade.
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