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O
métodoéomesmo.Opresidente soltaoureverbera
um tuítedeorigemduvidosa. Sabeque,por ser pre-
sidente, ofatoserá tratadocomonotícia pelaimprensa.
Se for umaagressãoàprópriaimprensa,commentirase
distorções,melhor.Mais os acólitosaplaudirão,mais os
adversários atacarão.Criadaapolêmica,terápolarizadoa
agenda do debate nacionalnos própriostermos,para
agradaraprópriaplateia.Otemapodeser a“pouca-ver-
gonhadoCarnaval”, o“HinoNacional nasescolas”, a
“mídiamentirosa” ou qualqueroutro,mesmoirrelevante,
desdequedê margemacontrovérsia. Éuma clássicama-
nobradiversionista.Oqueimportanãosão os fatos ou a
verdade,masopoderde despertaramoreódio,demobi-
lizarcliquesecurtidas,de trazerapolítica paraopróprio
terreno,aindaque(ou talvezmesmoporque)nada tenha
de racionalourazoável. Aestratégiade Donald Trump—
tornaropaísrefémde seustuítes—tem sidoreproduzi-
da porJair Bolsonaronas últimassemanas.Lá comocá,
aimprensatemagidodo modocomosabeagir:apontan-
do as mentiras,os absurdos,as contradições,fazendojor-
nalismoenfim. Lá comocá, issotemse mostradoinsufi-
ciente pararesgatar asanidade.Porquê?
Amelhorrespostafoi formuladapelolinguistaame-
ricanoGeorgeLakofferesumidaem seu livromaispo-
pular:Don’t think of an elephant!(Nãopense numelefan-
te!). Otítulotraduzsuaideiacentral.Se vocêdiz aal-
guémquenãopensenumelefante, aprimeiracoisaque
lhe vemàmente éobicholevantandoatromba.Do
mesmomodo,negarumamentiraapresentandoaver-
dadeéinsuficiente paramudarcrenças.Aocontrário,
podereforçá-las.“Seos fatos nãose encaixamnuma
moldura,amolduraresiste,eosfatos são descartados”,
escreveuLakoff.Moldura (eminglês,“frame”) éum
conceitoda ciênciacognitiva,quetraduzcomoocére-
broreageaestímulos linguísticos.Sãoideiasevalores
inconscientes,nãoslogans,quedeterminamtal reação.
“Mesmoquandovocênegaumamoldura,ativa essa
moldura.”Aindaqueojornalismopossaapresentar os
fatos verdadeiros—é,afinal,sua missão—, issoéinsu-
ficiente para“reemoldurar”odebate em termosdistin-
tos dosditadospelostuítespresidenciais.
“Fatos têmtodaimportância”,afirmouLakoff.“São
cruciais. Masprecisamser emolduradosde modoade-
quadoparaqueentrem no discursopúblicode modoefi-
caz.”Acreditarque apenas apresentá-los de maneiracom-
petente basta paraqueocidadão“acorde”éuma ilusão.
Éprecisoentenderas estruturas
moraisqueregemapolítica
paracriarmolduraseficazesaos fatos.
Lakoff identificoudoistiposde arcabouço,associadossim-
plificadamente adireitaeesquerda.Nos conservadores, as
crenças derivamda imagemda família compai rigoroso.
Nosprogressistas,dafamília compaiscarinhosos.Daí, diz
ele,decorremvisõesdistintas de segurança,economia,
comportamento eoutras questões polarizadoras. “Muitas
das ideias queultrajamos progressistas são oque os con-
servadoresveemcomoverdade—apresentadasdo ponto
de vista deles.” Para aquelesque, comoLakoff,se conside-
ramprogressistas,éinútil apenasdemonstrar indignação
ou esperneardiantedeconservadores comoTrumpou
Bolsonaro,seamoldurado debate continuaramesma.
“Elesnãosão estúpidos. Estãoganhandoporque são inteli-
gentes. Entendemcomoas pessoaspensamefalam.”
No últimocapítulo, escritoanosantesdas redes
sociais,Lakoffdescrevealgunsprincípiosúteisparadia-
logarcomvozesdiscordantes. Resumidamente, épreciso
respeitá-las,ouvi-las,manter acalmaenão entrarem
gritaria,nãoadotarum tomde queixa,ser sinceroede-
terminadonasprópriascrenças,pensaretratar nãosó
de fatos,massobretudodosvalores—eevitaradotara
molduradoadversário ao rebater ataques.“Não usea
linguagem deles. Alinguagemselecionaumamoldura
—enão seráamolduraquevocêquer.” Suasdicasse
tornaram hojeimportantes paraos jornalistas,obriga-
dos alidarcompresidentes quenãose furtamachamar
aimprensade “inimiga”.
H.G.
[email protected]
@gurovitz
HELIO GUROVITZÉJORNALISTA
EBLOGUEIRODO PORTALG1
ODESAFIODAIMPRENSA
DIANTEDETRUMPEBOLSONARO
THEALLNEWDON’TTHINKOFANELEPHANT!
GeorgeLakoff,ChelseaGreenPublishing
2014|192páginas|US$15