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(BrasilTuga) #1

28 Le Monde Diplomatique Brasil^ M A RÇO 2019


© Adão


REFAZER A UNIÃO


Estratégia europeia para a esquerda

Mais do que sobre os problemas comuns da União Europeia, as eleições de maio do bloco justapõem 27 votações
sobre política interna. Na maioria dos Estados, os eleitores pronunciam-se sobretudo contra ou a favor do governo local.
Mas a margem de manobra desses poderes é bastante reduzida pelos tratados continentais.
Nessas condições, o que fazer? E para a esquerda, como escapar?
POR FRÉDÉRIC LORDON*

U


m fantasma assombra a esquer-
da: a Europa. Ele assombrará os
“coletes amarelos” a partir do
momento em que eles se colo-
carem concretamente a questão das
políticas alternativas – o que, de fato, já
é o caso. É que toda a ideia de fazer
“outra coisa” está condenada a se cho-
car com o muro dos tratados. Afrouxar
as políticas de austeridade que des-
troem os serviços públicos, acabar
com a anomalia democrática de um
Banco Central independente sem a
menor legitimidade política, desfazer
as estruturas que permitem a domina-
ção das finanças sobre as empresas e
sobre os governos ao acabarem com a
concorrência realmente deformada
(pelo dumping social e ambiental) ou

com as deslocalizações sem controle,
reconquistar a possibilidade de auxí-
lios do Estado: tudo isso, que passa ne-
cessariamente por uma política de jus-
tiça social, tornou-se formalmente
impossível em razão dos tratados.
“Refaçamos, então, os tratados!”
De acordo com a “Europa social”, “o
euro democrático” é a ilusão de mu-
dança que permite à “esquerda incon-
sequente” rejeitar mais uma vez o mo-
mento de enfrentar o problema
europeu. De Yanis Varoufakis (ler seu
artigo na p.30) a Benoît Hamon, pas-
sando por Raphaël Glucksmann, todo
mundo quer “refazer os tratados”. Di-
gamos logo a eles: nada será refeito.
Os tratados só são um “erro” para
os que consideram que uma comuni-

dade política não pode ser malfeita o
bastante para impedir a si mesma de
decidir novamente a respeito da moe-
da, do orçamento, da dívida ou da cir-
culação de capitais, ou seja, para am-
putar voluntariamente políticas que
têm um peso maior sobre a situação
material das populações. Mas os trata-
dos são perfeitamente funcionais para
o outro pequeno número que, ao con-
trário, segue o projeto que mal escon-
de perenizar políticas econômicas fa-
voráveis a um certo tipo de interesse.
Com um adicional, para encerrar a
questão: o investimento desequilibra-
do específico de um país que se diz há
mais de meio século que a ortodoxia
monetária e orçamentária é sua única
muralha contra o nazismo...

Eis, então, como se encontra o im-
passe europeu:

1. Subtrair, como fazem os tratados, os
conteúdos substanciais de algumas das
mais importantes políticas públicas,
nas deliberações de uma assembleia or-
dinária, para perenizá-las em tratados
que respondem apenas a procedimen-
tos extraordinários de revisão, é uma
anomalia que desqualifica radicalmen-
te qualquer pretensão democrática.
2. Somente uma revisão dos tratados
apropriada para instituir um verdadei-
ro
Parlamento, ao qual seriam dados
todos os domínios de decisão atual-
mente fora de alcance de qualquer no-
va deliberação soberana, está total-
mente à altura do projeto de tornar a
Europa democrática.

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