Le Monde Diplomatique - Edição 140 (2019-03)

(Antfer) #1

14 Le Monde Diplomatique Brasil^ M A RÇO 2019


QUEM É ELLIOTT ABRAMS?


A sombria carreira do enviado especial

norte-americano à Venezuela

Há alguns anos, o cáustico Elliott Abrams amava apresentar-se como um velho sábio, um expert em diplomacia sempre


preocupado em dar sua opinião informada. Encarregado por Donald Trump de “restaurar a democracia na Venezuela”, ele voltou


aos negócios. Olhando sua ficha, os habitantes que vivem onde será sua missão podem começar a se preocupar...


POR ERIC ALTERMAN*


© Daniel Kondo

O


anúncio pelo secretário de Esta-
do norte-americano, Mike
Pompeo, da nomeação do neo-
conservador Elliott Abrams ao
posto de enviado especial à Venezuela,
no dia 25 de janeiro de 2019, não pas-
sou despercebido. A imprensa inter-
pretou a decisão de confiar a esse ho-
mem a missão de trabalhar para a
destituição do presidente Nicolás Ma-
duro como uma declaração de inde-
pendência de Pompeo em relação ao
presidente Donald Trump. Seu desa-
fortunado predecessor, Rex Tillerson –
ex-CEO da Ex xonMobil –, esperava de
fato recrutar Abrams. Mas Trump se
opôs, apesar do lobby do doador de ex-
trema direita Sheldon Adelson – que
parece conseguir tudo o que quer do
presidente. O motivo da recusa?
Abrams se uniu a outros neoconserva-
dores para criticar Trump durante a
primavera republicana de 2016. Até os
esforços do genro do presidente, Jared
Kushner, se revelaram em vão diante
de seu conselheiro na época, Steve
Bannon, que convenceu o chefe da Ca-
sa Branca de que a reputação de “mun-
dialista” de Abrams o desacreditava.


De acordo com a revista Bloom-
berg , essa promoção revela um “giro”:
“suas posições são representativas de
uma política externa que Trump con-
denava durante sua campanha – no-
tadamente o apoio à Guerra do Ira-
que, que ele critica há tempos. Mas
Abrams, assim como o presidente,
parece ter mudado”.^1 Essa ideia de
que “as pessoas mudam” figura igual-
mente entre as explicações dadas por
Abrams para limpar sua participação
no escândalo do Irangate – quando a
administração do presidente Ronald
Reagan financiou seu apoio aos
“contras” antissandinistas na Nica-
rágua pela venda de armas secretas
a Teerã –, apresentado como insigni-
ficante. Apesar de envolvido no caso,
Abrams culpou dois promotores de
dissimular informação no Congres-
so. Ele foi expulso da ordem dos ad-
vogados de Columbia, antes de ser
perdoado pelo presidente George H.
W. Bush. “Não acho que isso tenha a
menor importância. Não nos inte-
ressa o que aconteceu em 1980, e sim
o que acontece em 2019”, comentou
Abrams.^2

MASSACRES E GENOCÍDIOS
A julgar pelo passado de Abrams, o
ano de 2019 corre o risco de ser desas-
troso para o povo venezuelano. Assis-
tente subalterno no Congresso antes de
sua nomeação durante a administração
Reagan a uma série de cargos relaciona-
dos a direitos humanos na América
Central e ativo novamente na segunda
administração de George W. Bush, em
seguida desempenhou um papel mili-
tante no seio de um think tank , o Coun-
cil on Foreign Relations [Conselho de
Relações Exteriores], e de várias organi-
zações judaicas conservadoras. À exce-
ção de Henry Kissinger e Dick Cheney,
poucos altos funcionários norte-ame-
ricanos fizeram tanto pela promoção
da tortura e de mortes em massa em
nome da democracia. Depois do Iran-
gate, sua progressão nas altas esferas
da política externa norte-americana,
beneficiária de um tratamento midiá-
tico que o faz passar por uma persona-
lidade respeitável, esclarece a realida-
de de seu pequeno mundo – em
particular sua falta de preocupação
pelos valores que os políticos norte-a-
mericanos geralmente defendem.

No início de sua carreira, a serviço
dos senadores democratas Henry
“Scoop” Jackson e Daniel Patrick Moy-
nihan, Abrams contribuiu com os es-
forços neoconservadores para conver-
ter o Partido Democrata dos anos de
1970 ao intervencionismo em situação
de guerra. Contudo, afastados dos al-
tos postos da administração pelo pre-
sidente Jimmy Carter, eles termina-
ram por mudar de lado. “Éramos de
fato excluídos. Obtivemos apenas um
cargo insignificante: negociador espe-
cial. Não para a Polinésia nem para a
Macronésia, e sim apenas para a Mi-
cronésia”, reclama Abrams.^3 Depois de
construir um confortável ninho no
seio da administração Reagan, ele gra-
vitou rapidamente pelos altos escalões
do Departamento de Estado. Passou
pelo cargo de secretário de Estado ad-
junto às organizações internacionais,
depois – ironicamente – pelos “direitos
humanos” e, por fim, pelas questões
interamericanas. Nesse último cargo,
protegeu o secretário de Estado, Geor-
ge Shultz, de investidas de reagania-
nos desejosos de entrar em guerra com
a União Soviética, envolvida em uma
série de conflitos na América Central.
A extrema direita latino-americana
nunca havia contado com um aliado
norte-americano tão enérgico quanto
Abrams. Mesmo quando a polêmica
girava em torno de massacres, como o
dos milhares de camponeses inocen-
tes em El Salvador, Nicarágua, Guate-
mala e até no Panamá (que George H.
W. Bush terminou por invadir), ele
sempre soube como atuar como um
emissário que mascara a responsabili-
dade de Washington perante jornalis-
tas, militantes pela justiça e até mes-
mo vítimas.
Em março de 1982, o general guate-
malteco Efraín Ríos Montt chegou ao
poder por um golpe de Estado. Então
secretário de Estado adjunto de direi-
tos humanos, Abrams se apressou em
felicitá-lo por ter “levado a progressos
consideráveis” na questão dos direitos
fundamentais e insistiu no fato de que
“o número de civis inocentes assassi-
nados diminuiu progressivamente”.^4
Ao mesmo tempo, contudo, segundo
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