Le Monde Diplomatique - Edição 140 (2019-03)

(Antfer) #1

26 Le Monde Diplomatique Brasil^ M A RÇO 2019


FAKE NEWS OFICIAIS


Viagem

nas falsas

verdades

POR SERGE HALIMI E PIERRE RIMBERT*

Se “atraso”, “reforma” e “abertura” constituíram as palavras-chave do pensamento dominante dos últimos trinta anos,
as fake news parecem resumir sua obsessão atual. Um fio vermelho une, aliás, os dois períodos: apenas as notícias falsas
que visam ao partido da reforma e da abertura deixam indignados os jornalistas profissionais e os líderes liberais. Nos Estados
Unidos, na Alemanha e na França, estes últimos estão elevando a luta contra esse tipo de notícia ao status de prioridade política.
“A ascensão das notícias falsas”, explicou Emmanuel Macron em sua fala à imprensa em janeiro passado, “hoje é totalmente
gêmea desse fascínio nada liberal.” Durante esse tempo, a desinformação tradicional prosperou. Seu eco repercutido o tempo
todo lhe confere um caráter de verdade – sem estimular o ardor das agências de checagem.

© Allan Sieber


BERNARD-HENRI LÉVY
Colunista do Le Point , Bernard-
-Henri Lév y iguala todos aqueles que
lhe desagradam – a lista é infinita – a
nazistas.^1 Em dezembro de 2010, feliz
demais para checar o fato, ele confun-
diu o jornalista do Le Monde Diploma-
tique Bernard Cassen com o panfletá-
rio antimuçulmano de extrema direita
Pierre Cassen. O semanário recusou a
publicação de um direito de resposta;
ele foi condenado a fazê-lo pela 17a Câ-
mara Correcional (acórdão de 23 de
abril de 2013), a qual, destacando “a
insuficiência de rigor e a falta de subs-
tância” de Bernard-Henri Lév y
(“BHL”), “a gravidade e a virulência”
de sua difamação, considerou que “o
benefício da boa-fé não poderia ser
concedido” e também impôs ao Le
Point o pagamento de 3.500 euros de
multa. No entanto, no mesmo jornal, o
mesmo falsificador lançou a ideia, em
7 de fevereiro, de um hall of shame
(hall da vergonha), que “listaria em
tempo real as fake news que fossem
mais globalmente devastadoras”. BHL

convida “as pessoas da web a propor o
texto, o vídeo, a obra cujo poder de ver-
dade ou de comicidade destruiria as
fake news mais nocivas”...
Significa, para Bernard-Henri Lév y,
correr um risco... Em vez de recordar a
lista de suas imposturas – uma página
deste jornal não seria suficiente^2 –, va-
mos nos limitar às suas últimas palha-
çadas. Sua obra L’Empire et les cinq rois
[O Império e os cinco reis] acaba de ser
traduzida nos Estados Unidos, no mo-
mento em que os líderes daquele país
procuram sufocar o Irã. Ano passado,
jornalistas ou colunistas franceses tão
preocupados com a precisão e a checa-
gem dos fatos quanto Patrick Cohen
(na Europe 1, em 30 de março), Ali Bad-
dou (na France Inter, num 1o de abril) e
Laurent Ruquier (na France 2, em 7 de
abril) o deixaram vender “uma história
incrível que muito poucas pessoas co-
nhecem”. Em 1935, contou o ensaísta,
“a Alemanha nazista ofereceu aos per-
sas o acordo do século. Ela disse a eles:
‘Vamos fazer [...] uma ótima aventura
comum, vamos dominar o mundo’. E

os iranianos aceitaram o acordo”. E é
por isso que, segundo ele, a Pérsia mu-
dou de nome para se tornar o Irã, terra
dos arianos.
Vários especialistas do Irã recla-
maram imediatamente, a tal ponto
que, alguns dias depois, BHL invocou
outros, e alguns destes, horrorizados
por estarem envolvidos nessa perigosa
farsa, desmentiram as análises que o
cronista lhes atribuiu.^3 Publicada em
fevereiro passado, a edição em inglês
de seu livro acrescenta em consequên-
cia um elemento de prova que o autor
considera irrefutável: “um artigo do
New York Times de 26 de junho de
1935”. Mas o artigo em questão fala de
uma “sugestão” da embaixada alemã,
sem basear essa explicação da mudan-
ça de nome – a propósito, bastante va-
ga – em nenhuma fonte. De qualquer
forma, ele certamente não falou, como
afirmou BHL, “em uma ordem de Ber-
lim para a embaixada iraniana que foi
transmitida ao xá”. E esse artigo do
New York Times , publicado na seção
Viagens-Cruzeiros-Excursões do jor-

nal, relata o caso iraniano entre mui-
tos outros – Santo Domingo tornou-se
Ciudad Trujillo; Esmirna, Izmir; Ch-
ristiania, Oslo etc. Basta dizer que a
força probatória do pedaço de texto
(150 palavras) ao qual Bernard-Henri
Lév y se agarra como um mexilhão à
sua rocha é nula. Seu autor está morto,
e nosso autoproclamado especialista
em Irã não é capaz de citar precisa-
mente sua prova, já que a informação
do New York Times , destinada a seus
leitores que eram viajantes frequentes,
foi publicada em 26 de janeiro de 1936,
e não em 26 de junho de 1935.^4
E qual é a relação, de fato, entre a
decisão do xá de 1935 e a atual Repúbli-
ca Islâmica do Irã, alvo dos Estados
Unidos, da Arábia Saudita e de Israel?
Uma ligação clara, de acordo com BHL:
o aiatolá Ruhollah Khomeini teria se
recusado a retomar o nome “Pérsia”
quando assumiu o poder porque havia
ao seu redor três “teóricos que viviam
no fascínio absoluto pelo pensamento
heideggeriano”. Como ele sabe? Graças
a “um dos cinegrafistas do meu filme,
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