Le Monde Diplomatique - Edição 140 (2019-03)

(Antfer) #1

38 Le Monde Diplomatique Brasil^ M A RÇO 2019


NOVAS NARRATIVAS DA WEB
Sites e projetos que merecem o seu tempo

SEM AÇÚCAR
Antonio Rodríguez Estrada é um fotógrafo ma-
drilenho entusiasta da alimentação saudável. A
forma que encontrou para juntar suas paixões
foi um projeto em que tira fotos de alimentos
ao lado do que seria a quantidade de açúcar
em cada um deles, empilhada em torrões. A
indústria de alimentos, sem dúvida, é uma das
responsáveis pela epidemia de obesidade nos
países ocidentais. Um alerta antes de entrar
no site: talvez você pense duas vezes antes de
comprar um refrigerante, um achocolatado ou
um iogurte.
<www.sinazucar.org>

DETOX DIGITAL
Em meia hora, ou menos, por dia, você estará
a caminho de uma vida digital mais saudável
e sob controle. Essa é a proposta do Data
Detox Kit, feito pelo Glass Room London em
2017, com a curadoria do Tactical Technology
Collective e apresentado pela fundação Mo-
zilla – essa mesma, do navegador Firefox. A
ideia é que você perceba a intersecção entre
tecnologia, direitos humanos e liberdades ci-
vis, e como tudo isso faz parte do seu dia a
dia na rede. Segurança digital, privacidade e
ética dos dados não são levados muito a sério
em nenhuma parte do mundo, e talvez menos
ainda no Brasil. Um bom começo é você saber
quais são suas pegadas digitais.
<https://datadetox.myshadow.org>

TREEPEDIA
Restam poucos governantes no mundo que
ainda duvidam do aquecimento global. Assim,
cidades no mundo todo têm buscado aumen-
tar suas áreas verdes, com diferentes estra-
tégias – não apenas para salvar a espécie
humana, mas porque trazem incontáveis be-
nefícios e qualidade de vida aos habitantes. O
Massachusetts Institute of Technology (MIT)
criou um índice capaz de comparar o verde
visto nas cidades do mundo. Ele mede a área
verde no nível nas ruas, e não parques e gran-
des bosques urbanos. Por enquanto, apenas
algumas cidades do mundo estão mapeadas.
São Paulo é uma delas, com 11,7% no Green
View Index. A título de comparação, Nova York
tem 13,5%; Amsterdã, 20,6%; e Paris, 8,8%.
<http://senseable.mit.edu/treepedia>

[Andre Deak] Diretor do Liquid Media Lab,
professor de Jornalismo na ESPM, mestre em
Teoria da Comunicação pela ECA-USP e dou-
torando em Design na FAU-USP.

livros internet


MISCELÂNEA


A


ruptura da barragem da mina Córrego do Feijão, da
empresa Vale, colocou em discussão toda a estru-
tura de regulação dos impactos de grandes empreen-
dimentos. Esse desastre político revelou, mais uma vez,
o descaso com que empresas mineradoras tratam as
populações locais, ignorando os alertas de defensores
de direitos socioambientais e deixando ao abandono as
próprias vítimas dos desastres, como já sabido no caso
da Samarco. O que o livro pretende discutir são as polí-
ticas empresariais adotadas para lidar com as comuni-
dades atingidas por seus projetos extrativos. Se essas
comunidades são desconsideradas em seus direitos
após os desastres, o que dizer das políticas “sociais” das
empresas adotadas antes deles? Em que medida as
políticas empresariais com relação às comunidades não
estariam comprometendo a capacidade da sociedade
de debater livremente as condições de implantação de
tais negócios e de prevenir seus riscos? Em que medida
as atividades empresariais destinadas a antecipar e pre-
tensamente “resolver” os conflitos desencadeados por
seus empreendimentos não estariam neutralizando, em
seu nascedouro, as condições democráticas de ocupa-
ção dos territórios, no respeito aos direitos básicos das
populações atingidas por tais projetos e na prevenção
de desastres?
Os trabalhos reunidos nessa coletânea discutem
tanto a expansão dos projetos extrativos no mundo
como o poder excepcional assumido pelas empresas
multinacionais da mineração na esfera política, ao pon-
to de elas interferirem nas atribuições próprias aos
Estados-nação e nos modos de vida das comunidades
atingidas. As interferências nas máquinas estatais são
aquelas que têm resultado na facilitação imprevidente
da concessão de licenças de instalação e operação,
em adequações casuísticas da legislação ambiental,
na diminuição do valor de multas, na precarização das
ações de fiscalização etc. A gestão empresarial do “so-
cial”, associada a discursos de “governança”, “respon-
sabilidade social” e “investimento social privado”, tem,
por sua vez, configurado formas de “governo indireto”
que tendem a enfraquecer a disposição do Estado e
da sociedade civil de discutir e influir na concepção
dos projetos de mineração, assim como no tipo de de-
senvolvimento que eles encarnam. Essas questões de
grande atualidade são, nesse livro, discutidas tendo por
base estudos de caso da empresa Vale e de outras
empresas mineradoras no México, na Argentina, no
Peru e na República Democrática do Congo.

[Gustavo Schiavinatto Vitti] Geógrafo e douto-
rando em Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/
UFRJ).

O


público brasileiro ganha tradução inédita de um
texto fundador da crítica do valor (wertkritik),
assinado por aquele que foi seu principal expoente,
Robert Kurz. O ensaio A crise do valor de troca foi
publicado originalmente em 1986 no primeiro nú-
mero da revista Marxistische Kritik – o editorial do
número acompanha o volume como anexo. Vemos
nesse texto como o pensamento de Kurz ganhou
impulso por meio da observação das transforma-
ções históricas do capitalismo, que o autor tinha sob
seus olhos: “o objetivo deste texto consiste em apre-
sentar [...] o limite lógico absoluto e o limite histórico
do capital como consequência do mais recente e
qualitativamente novo estágio de socialização capi-
talista” (grifo meu).
As crises advindas ao longo da década de 1970
anunciavam o fim da concertação econômico-esta-
tal que parecia ter estabilizado as contradições da
sociedade capitalista. Entre essas crises, destaca-
va-se a do trabalho, o desemprego em massa como
consequência do processo de automatização das ta-
refas produtivas, agora alçado a novo patamar quali-
tativo com a invenção da microeletrônica. Enquanto
muitos se limitavam a discutir essas transformações
sob o limitado prisma da política, Kurz debruçou-se
sobre a cientificização do trabalho para entender
suas contradições mais profundas. Percebeu, então,
que as transformações em curso traziam o apare-
cimento de uma forma de trabalho materialmente
produtivo, porém improdutivo quanto à criação de
valor. Essa modificação histórica tornava mais visível
aquela que seria a contradição essencial da história
do capital: “a contradição entre produtividade mate-
rial, por um lado, e o caráter do valor ou de merca-
doria, por outro”.
Nascia assim uma teoria crítica que percebia na dis-
crepância entre a forma-valor e a produtividade mate-
rial o limite objetivo do capitalismo. Assente na redução
do trabalho vivo, a expansão da produção significaria
inversamente uma redução constante da massa de
mais-valia, razão pela qual a teoria de Kurz se tornaria
cada vez mais uma teoria da crise – bastante distinta
das antigas teorias do colapso – e que vemos se de-
senvolver no segundo texto que compõe esse volume:
“Tudo sob controle no navio a pique: superacumulação,
crise da dívida e política” (1989). O livro é o primeiro
de uma série de novas traduções de Robert Kurz que
sairão pela editora.

[Gabriel Ferreira Zacarias] Professor do Departa-
mento de História da Universidade Estadual de Cam-
pinas (Unicamp).

A CRISE
DO VALOR
DE TROCA
Robert Kurz,
Consequência

POLÍTICAS
TERRITORIAIS,
EMPRESAS E
COMUNIDADE –
O NEOEXTRATIVISMO
E A GESTÃO
EMPRESARIAL
DO “SOCIAL”
Henri Acselrad (org.),
Garamond
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