Le Monde Diplomatique - Edição 140 (2019-03)

(Antfer) #1

6 Le Monde Diplomatique Brasil^ M A RÇO 2019


e Judiciário) nem tão independentes e
tampouco harmônicos como pudemos
acompanhar nos últimos tempos. O
que é certo é que o núcleo duro do com-
prometimento do establishment para
com a eleição de Bolsonaro e o desmon-
te do Estado e de políticas públicas in-
clusivas, acompanhado de uma perver-
sa reforma da Previdência que tolherá
direitos dos mais humildes e menos
aquinhoados para a manutenção de
um insaciável sistema financeiro, se-
guirá adiante, com o apoio da grande
mídia e dos partidos da ordem (obvia-
mente, com os militares em larga me-
dida preservados em seus direitos e sua
“missão” de protetores da nação). Em
paralelo, a subordinação militar ao po-
der civil e à direção política sobre os
fardados seguirá como uma tarefa
pendente em nossa frágil democracia
tupiniquim. Tempos nada alvissarei-
ros se avizinham!


*Alexandre Fuccille é doutor em Ciência
Política e professor da Universidade Estadual
Paulista (Unesp). Foi presidente da Associa-
ção Brasileira de Estudos de Defesa (Abed)
de 2014 a 2016 e trabalhou no Ministério da
Defesa de 2003 a 2005.


1 Espírito de corpo corresponde à visão corporativa,
de grupo, que transcende a corporação no sentido
administrativo. O termo traduz uma visão de “alma”
institucional. Huntington, em sua obra clássica da
década de 1950, afirma que a corporatividade faz
os militares pensarem em grupo, diferentemente
dos profissionais civis, que pensam individualmen-
te. Para mais detalhes, ver Samuel Huntington, O
soldado e o Estado: teoria e política das relações
entre civis e militares, Biblioteca do Exército Edito-
ra, Rio de Janeiro, 1996, p.28 e seguintes.
2 Para piorar, de forma inédita, desde fevereiro de
2018 temos tidos militares – ainda que da reserva


  • como ministros da Defesa.
    3 A base legal para tal emprego na segurança públi-
    ca neste e em outros governos é parte do artigo
    142 da Constituição Federal, que prevê que elas
    se destinam “à defesa da Pátria, à garantia dos po-
    deres constitucionais e, por iniciativa de qualquer
    destes, da lei e da ordem”. Conceitos fluidos como
    “lei” e “ordem”, que variam enormemente conforme
    a perspectiva político-ideológica, podem represen-
    tar um inapropriado risco à democracia, permitindo
    que o aparelho militar seja empregado em defesa
    do governo (vide a greve dos petroleiros de 1995 e
    os episódios de tentativa de invasão da fazenda
    dos filhos de FHC por parte do MST), e não do
    Estado, como deveria ser.
    4 Disponível em: http://bit.ly/DN-PT_17-05-16.
    5 Aqui, em contraste com a orientação anterior de
    tais documentos, era relativizada a importância da
    América do Sul como entorno estratégico, e anti-
    gas parcerias estratégicas, como com os Estados
    Unidos e a Europa, eram apontadas como neces-
    sárias de serem reavivadas e incrementadas.
    6 Vale a pena conferir “Mal-estar na caserna”, a reve-
    ladora entrevista de março de 2018 com o coman-
    dante do Exército e seus assessores, na Piauí.
    Disponível em: htps://piaui.folha.uol.Đoŵ.ďr/ŵa-
    teria/ŵal-estar-Ŷa-ĐaserŶa/
    .


7 O habeas corpus foi negado por seis votos a cinco
(cujo voto da ministra Rosa Weber surpreendeu
em razão de posicionamentos anteriores). Poste-
riormente, em entrevista, o então comandante do
Exército frisou: “Nós estivemos realmente no limite,
que foi aquele tuíte da véspera da votação no Su-
premo da questão do Lula. Ali, nós conscientemen-
te trabalhamos sabendo que estávamos no limite”.
Todavia, ainda segundo Villas Bôas, o episódio
rendeu críticas do “pessoal de sempre, mas a rela-
ção custo-benefício foi positiva”. Folha de S.Paulo,
11 nov. 2018.
8 Vale lembrar que o deputado fluminense em suas
quase três décadas como parlamentar sempre foi
tido como um político do “baixo clero”, com seu
mandato basicamente centrado em demandas mi-
litares corporativas e reivindicando soldos maiores
à sua categoria, com bom trânsito entre praças e
graduados, mas sem penetração entre oficiais su-
periores e oficiais-generais, pelos quais era visto
com suspeição dado seu fraco e folclórico desem-
penho parlamentar e prisão por indisciplina no pas-
sado. Efetivamente, essa leitura alterou-se ao longo
de 2018.
9 Atualmente, dos 22 ministros de Estado, oito são
militares, ou seja, mais de um terço do total. Mesmo
à época do presidente general Ernesto Geisel, que
chegou a ter dez ministros militares, é preciso re-
cordar que entre estes estavam os quatro ministé-
rios militares (Exército, Marinha, Aeronáutica e Es-
tado-Maior das Forças Armadas), que foram
extintos em 1999 com a criação do Ministério da
Defesa, além do Serviço Nacional de Informações
(SNI), extinto em 1990, que também tinha status
ministerial.
10 Grosso modo, a expressão cunhada por Sérgio
Abranches em 1988 sugere que o presidente da
República forma seu ministério com integrantes
dos partidos da coalizão de governo, de modo
semelhante ao que ocorre no parlamentarismo.

Em contrapartida, os partidos oferecem os votos
necessários para que o presidente aprove a
agenda governamental no Congresso Nacional.
11 É interessante notar que os militares – e leia-se,
os de esquerda – foram a categoria social mais
perseguida proporcionalmente durante a vigên-
cia do regime autoritário de 1964-1985, com
milhares expulsos em todos os níveis da hierar-
quia nas três Forças. Ver Paulo Ribeiro da
Cunha, “A Comissão Nacional da Verdade e os
militares perseguidos: desafios de um passado
no tempo presente e futuro”, Acervo, v.27, n.1,
2014, p.137-.
12 Esse brado (que recorda o Deutschland über al-
les, ou “Alemanha acima de tudo”, muito usado
durante o nazismo), ainda comum nos quartéis de
hoje, originalmente foi criado após a decretação
do AI-5, em dezembro de 1968, num contexto de
perseguição aos “subversivos” e outros episódios
de triste lembrança, pelo grupo de oficiais para-
quedistas Centelha Nativista. Sua apropriação por
Bolsonaro e Mourão, ambos com passagem pela
Brigada de Infantaria Paraquedista do Exército,
acabou resultando no bordão de campanha “Bra-
sil acima de tudo, Deus acima de todos”.
13 “A tutela corresponde a uma manifestação especí-
fica do papel militar na preservação da ordem so-
cial num momento em que a corporação castrense
não se encontra no exercício do poder de Estado,
sem no entanto haver perdido a importância orgâ-
nica no conjunto dos órgãos do Estado”. Eliézer
Rizzo de Oliveira (org.), Militares: pensamento e
ação política, Papirus, Campinas, 1987, p.61.
14 A Câmara dos Deputados derrubou o Decreto
Presidencial em 19 de fevereiro.
15 Antigo membro do Alto Comando do Exército,
colegiado responsável pelas principais decisões
da Força Terrestre e que reúne os dezesseis ge-
nerais de exército/quatro estrelas do Exército
brasileiro.
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