Placar

(BrasilTuga) #1

76 placar.com.brsetembro 2016


O


adolescente cego, descobriu, durante a adolescên-
cia, o futebol de 5 ou, como ele mesmo diz, o fute-
bol para cegos. O adulto que se transformou em
um dos maiores jogadores da história da modali-
dade, sendo eleito em 2010, o melhor do mundo. O profissio-
nal, que não enxerga, mas mantém sua família jogando bola.
O artilheiro que estará nas Paralimpíadas de Rio de Janeiro,
agora em setembro, buscando mais um ouro para o Brasil, es-
teve com Placar. Conheça um pouco de Jefinho, esse cra-
que como ser humano e jogador, autêntico exemplo de supe-
ração que driblou o glaucoma, ainda quando criança, bem
como hoje derrota, na velocidade e habilidade, quaisquer de-
fensores, ao encará-los com aquela mesma decisão, convic-
ção, determinação e caráter. Aos 26 anos, estas são as respos-
tas do baiano de Candeias que conquistou o planeta sem ver
como ele é, tendo apenas como lembrança o Sol e a Lua...

Placar: Você nasceu com glaucoma. conte-nos como evoluiu a disfunção?
Jefinho: Quando eu tinha 3 meses fui
diagnosticado com essa doença. Durante
a infância fiz várias cirurgias para tentar
reverter a evolução, pois enxergava pouco,
mas enxergava. Aos 7 anos de idade perdi
a visão totalmente.

Placar: Quais são suas lembranças de quando
você ainda enxergava? E, principalmente, as
lembranças do futebol?
Jefinho: Como enxergava pouco, since-
ramente, não tenho muitas lembranças.
Recordo das cores, também do Sol e da
Lua. Coisas simples assim. Não guardo
quase nenhuma lembrança... Acompa-
nhava o futebol, mas também não tenho
imagens formadas dele.

Placar: acredita que perder a visão progressivamente é menos traumático que
perdê-la repentinamente?
Jefinho: Depende da situação, por exemplo, quando a pessoa en-
xerga até mais tarde, até a adolescência, ela se prepara, tem mais
chances de conhecer as coisas do mundo e guardar mais a realidade,
mais imagens, lembranças. Penso que, se uma pessoa enxerga até
mais tarde e repentinamente perde a visão, ela consegue se adaptar,
ela tem mais noção do que outra que nunca enxergou. Penso isso...

Placar: Também tem o aspecto psicológico, de aceitar a perda, sabendo que
vai ocorrer...
Jefinho: Sim...

Placar: como você conseguia jogar futebol na infância?
Jefinho: Mesmo enxergando pouco eu brincava de bola com meus
amigos, nós colocávamos um saco plástico na bola para que eu ou-
visse o barulho, também jogávamos em um espaço reduzido, o que
facilitava o jogo para mim...

Placar: E como foi adaptação ao futebol de 5?
Jefinho: Imediata.

Placar: como assim?
Jefinho: Sim. Eu tinha boa noção de espaço, que é essencial, e
também boa audição para ouvir a bola.

Placar: aquelas brincadeiras de criança foram fundamentais...
Jefinho: Sem dúvidas. O que atrapalhou um pouco no início foi o
medo de jogar em um espaço que eu sabia ser pequeno, com vários
cegos. Com o tempo perdi esse medo de me machucar, e aí tudo bem.

Placar: o futebol de 5 é o futsal adaptado aos cegos, é isso?
Jefinho: Exatamente, é o futsal adaptado; com pequenas mudan-
ças nas regras. A principal é a bola com guizos, que produz o som
que nos guia. As laterais da quadra possuem bandas com 1,2 metro
de altura para que a bola não saia pela lateral.

Placar: permite que você consiga tabelar com a
parede.
Jefinho: Sim, isso torna o nosso futebol
de 5 mais dinâmico, evitando que o jogo
pare toda hora. O lateral ocorre quando a
bola ultrapassa a banda. Outra regra es-
pecífica é o ‘voy’ (‘vou’ em espanhol). An-
tes de ir em direção à bola, obrigatoria-
mente o jogador deve dizer “voy”.

Placar: Tire uma dúvida, por favor: quando dois
jogadores gritam “voy” simultaneamente, que
tem preferência?
Jefinho: Não existe preferência, a bola
fica com quem a pegar primeiro. Quan-
do a bola está livre, os dois jogadores
precisam falar para que os dois saibam
a posição do outro, evitando o choque. A
principal função do ‘voy’ é evitar os choques, não oferecer priori-
dade, pois é um jogo de competição... Antigamente não havia essa
regra e ocorriam muitos choques, muitas batidas. Depois do
‘voy’o futebol de 5 melhorou muito.

Placar: Quando exatamente o ‘voy’ foi inserido no jogo?
Jefinho: Depois do ano 2000.

Placar: Futebol é paixão. como é jogar com silêncio total, sem o barulho da
torcida?
Jefinho: Realmente perde-se um pouco da emoção. Eu, que acom-
panho muito o futebol convencional, fico impressionado com as tor-
cidas apoiando os times, os gritos, as músicas. O futebol de 5 é total-
mente diferente, é necessário silêncio para que a partida aconteça
normalmente. O silêncio retira um pouco da paixão, mas, quando o
gol acontece, você comemora, estravaza. Tem que haver silêncio,
caso contrário não há condições de jogo, de mostrarmos nosso fute-
bo, mas o momento-paixão aparece...

“NÓS, ATLETAS


PARALÍMPICOS,


SOMOS CAPAZES...


TEMOS TOTAIS


CONDIÇÕES DE


TRABALHAR, DE NOS


DEDICARMOS”
Jefinho falando sobre os atletas paralímpicos

PL1419_ENTREVISTA_JEFINHO.indd 76 29/08/16 21:52

Free download pdf