Elle - Portugal (2019-03)

(Antfer) #1

BELEZA


primeira vez que pedi à minha mãe para pintar o
cabelo de rosa tinha 14 anos. Prestes a mudar-me
de um colégio privado religioso para uma escola
secundária pública e inspirada pelo cabelo de
Gwen Stefani na era Ex-Girlfriend dos No Doubt, achava
que este era o ato revolucionário perfeito para me destacar
na minha nova escola. Tipo: nova escola, nova vida. Escusado
será dizer que essa foi uma batalha que não consegui vencer.
Foram precisos anos de muitas outras experiências capilares
(alisamentos, permanentes e mil e um tipo de franjas diferentes)
para me aventurar pelo mundo da coloração. Tudo começou
com as famosas californianas quando já estava na universida-
de. Sendo o meu cabelo castanho (muito) escuro, foi uma boa
introdução a este universo por não ser necessário descolorar
todo o cabelo. Alguns anos mais tarde, nos meus tempos de
estagiária da ELLE, pintei a parte esquerda do meu cabelo de
laranja até que em 2016, depois de uma aposta relacionada
com um projeto do meu trabalho da altura, pintei finalmente
o meu cabelo de rosa. Se há uma palavra que descreve todo o
processo é longo. Dizem que o nosso cérebro tem tendência
para apagar memórias de situações menos boas ou dolorosas
e, neste caso, foi isso mesmo que aconteceu. Não me consigo
lembrar quanto tempo é que a descoloração levou ao todo. Só
me lembro que, quando saí do salão, nem me importei que a
hora do jantar tivesse chegado sem ter almoçado.
Os comentários foram inevitáveis. Em retrospetiva, o único
menos entusiasmante foi o do meu avô, que ficou com muito
medo de eu poder ficar solteira para sempre por causa do meu

CABELOS


NOVO NORMAL
Com as passerelles cheias de cor, será que estamos prontas para deixar o cabelo
em tons de fantasia entrar nas salas de reuniões? Por Carolina Adães Pereira

cabelo. Mas mesmo a nível profissional, não senti nenhum tipo
de reticência ao início – talvez por trabalhar numa área que
tem como essência a criatividade. Até que, numa reunião de
trabalho, onde estavam presentes 20 pessoas, uma pessoa se
referiu a mim como a miúda. Este comentário ficou comigo.
Não era a pessoa mais nova presente, mas fiquei a sentir que
toda a gente me via como tal, com algum descrédito até. Este
foi o ponto de partida para pensar mais em todas as minhas
relações profissionais e a forma como as pessoas interagiam
comigo nos meses seguintes. Várias conversas depois com os
meus amigos sobre se as pessoas não me levavam a sério por
causa do meu cabelo, as respostas foram díspares: uns achavam
que não, outros achavam que sim e outros achavam que isto
era uma não questão. Até que a minha mãe assumiu o papel da
voz da razão e pôs o dedo na ferida. «Não se trata de te levarem
a sério ou não. Aquilo que neste momento interessa é que as
pontas do teu cabelo estão muito estragadas». O constante
processo de descoloração e manutenção da cor tiveram um
impacto negativo no meu cabelo e o tratamento requeria mais
atenção da minha parte daquela que eu conseguia (leia-se tinha
preguiça para) dar ao meu cabelo rosa. Conselho de mãe é as-
sim: simples, rápido e eficaz porque, uma ida ao cabeleireiro
mais tarde (bem mais curta que a minha última visita meio
ano antes) e estava de volta ao castanho escuro.
Nunca perdi muito tempo com este assunto, mas a sensação
de não me levarem a sério no âmbito profissional por causa
da cor do meu cabelo nunca me abandonou até ver os desfiles
primavera-verão 2019, principalmente o de Marc Jacobs,
onde a quase totalidade das modelos tinha o seu cabelo com
uma cor fantasia. Guido Paulau, diretor criativo global da
Redken e responsável pelos cabelos deste desfile, revelou à
ELLE americana que «hoje em dia, usar uma cor no cabelo é
quase o mesmo que usar batom», contextualiza. «As pessoas

A

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