Elle - Portugal (2019-03)

(Antfer) #1
que somos a “geração do cancelamento”. Em média, cada pessoa
faz 104 planos sociais por ano, mas cancela metade deles. “Não,
quinta -feira não dá”, diz um homem ao telefone, folheando a
sua agenda nos famosos cartoons da revista The New Yorker.
“Que tal nunca – nunca dá para si?”. Embora Bob Mankoff
tenha feito esta ilustração em 1993, ela é presença regular no
Instagram nos dias de hoje por ser tão atual. «Agora, a frase está
firmemente enraizada na nossa cultura», diz Mankoff, «tanto
que pode ser referida como se fosse um aforismo anónimo».
Para a maioria de nós, o processo de desmarcação começa com
boas intenções. Nós realmente queremos nos encontrar com
o amigo com quem já não estamos há muito tempo. Quando
dizemos sim é porque realmente acreditamos que é sim. E é
bom dizer sim! Mas depois, inevitavelmente, algo acontece.
Sim, algo acontece, independentemente de ser a constatação
de que, na condição de pessoa que gosta de agradar os outros,
aceitou milhares de convites e vai a correr para o WhatsApp
para cancelar uma festa de aniversário e uma ida ao cinema. Ou,
nos momentos em que um compromisso de trabalho chega –
um deadline, por exemplo – e este assume estatuto prioritário.
Ou, à medida que o dia se aproxima e uma nuvem de ansiedade
social se instala, e dá por si acordada a meio da noite a planear
formas de não ter que comparecer – fazer conversa fiada numa
sala cheia de gente? Mentir é preferível a esse cenário. Depois
há o último tabu: preguiça. A hipótese de tomar um banho de
imersão, arranjar o cabelo, passar duas horas nas redes sociais a
beber vinho e acordar com uma ressaca do tamanho da Itália...

A STYLIST GEMMA ROSE BREGER e o jornalista Sam Silver
do @ThisIsMothership publicaram uma imagem no Instagram
que dizia: “Sempre vamos jantar hoje?” e depois: “Importa -se
se cancelarmos e re -agendarmos várias vezes até perdermos o
contacto completamente?”. Dizem eles: «Prometemos muita
coisa, com níveis de entusiasmo enormes, geralmente no dia
anterior ao nosso imenso cansaço se instalar, mas quando se
trata de ver o plano em vias de ser concretizado, uma em cada
três vezes encontramos algum tipo de desculpa para cancelar».
E quando são os outros a cancelar os planos? Há um mo-

ra uma tarde normal de junho que de repente se trans-
formou numa caixa de Pandora de drama familiar. Um
convite para o casamento de uma prima em segundo grau
que tinha sido enviado para a minha mãe... De repente
o sol de verão foi tapado por uma nuvem de tule branco.
Não só porque não guardei o convite, ou não apontei o dia na
minha agenda, mas principalmente porque não queria ir. Não
ueria ter de comer canapés, não queria usar salto altos, não
ueria ter que pensar no vestido e passar a noite a bocejar. Não
ra nada pessoal. Era mesmo muito universal. Aquela sensação
ue eu e todas as outras pessoas que acordam às seis da manhã e
êm uma lista de séries da Netflix que não se vê sozinha, sentem
maioria dos fins de semana – o desejo de cancelar tudo.

NTÃO, ERA JUNHO E A MINHA MÃE, como um anjo de pessoa,
elefonou para o pai da minha prima. Claro que não ia ser eu
ligar – acha mesmo? Disse que a culpa era dela. Que não me
nha dado o convite, e por isso lamentava muito ligar no dia
nterior, mas a Eva não poderia comparecer ao casamento. Houve
m momento de pausa. Uma longa pausa. Eles já tinham tudo
reparado, incluindo o catering. Será que ele estava à espera que
u pagasse a minha parte à mesma? A minha mãe ligou -me
ssim que terminou a chamada. Quando ela me disse que eles
nham combinado eu entregar um cheque de 35 euros pelo
rato vegetariano, tive que parar um momento para refletir.
rinta e cinco euros, tão simples. Colocar um preço no cance-
amento de compromissos, esta pode ser a resposta para todos
s nossos problemas. Tinha acabado de comprar o direito de
ão me sentir culpada. Dei -me permissão a mim mesma para
esfrutar daquele momento de alegria e pensei que deveria ser
ncluída uma opção extra a cada RSVP: sim, não, e “obrigada
mas fica para a próxima, aqui estão 35 euros”.
Este é o momento do “cortar -se”. Graças à tecnologia que
orna os encontros mais fluidos e flexíveis, à cultura moderna do
starmos sempre ocupados e a crescente ambiguidade das nossas
mizades (especialmente os que nascem no universo online), o
to de cancelar planos está a definir a nossa geração. Um estudo
ealizado no Reino Unido, com 2000 entrevistados, concluiu

MUDANÇA


DE PLANOS
Porque é que nos dias de hoje é tao fácil fazer planos só
para depois acabar por cancelá -los? Esta é a era oficial
do “cortar -se”, mas isso até pode não ser negativo.

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