Loud! - PT (2020-01)

(Antfer) #1

No entanto as pessoas irão sempre olhar
para o vosso grupo e tentar ver nele uma
encarnação dos Type O negative, estás pre-
parado para isso?
Claro que sim, já me comecei a habituar a
essa referência. No som dos Silvertomb, po-
derás encontrar alguns momentos que se-
rão um tributo aos Type O, mas não passará
disso, pois é um animal completamente di-
ferente. Habituei-me a ser confrontado com
amor e ódio em tudo aquilo que me tenho
envolvido musicalmente ao longo destes
anos. Para cada beijo na face, espero dois
murros na boca.


Passaram nove anos sobre a morte do Pe-
ter, e aqui estás, acompanhado do Johnny
Kelly na bateria. Deves ter travado algumas
batalhas para superar o momento e chegar
aqui.
Muitas batalhas tiveram lugar, mas sinto que
nenhuma delas foi ainda vencida. Ainda luto
com muitos problemas que enfrento desde
a adolescência: fumo demais, bebo demais,
procrastino demais, tenho uma péssima
auto-estima e não me relaciono bem com
mortes e términos em geral. Num espaço de
cinco anos, perdi o Tommy Quinn, um amigo
de infância com quem descobri a música. O
Bobby Malone, amigo de longa data e colega
em outros grupos. E o Peter. Depois houve o
final óbvio dos Type O Negative e a incerteza
sobre o meu futuro, que ainda vieram causar
mais stress. Como habitual, lido com estas
incertezas, aumentando os maus hábitos.
Voltar à música, foi um passo positivo para
mim. O amor da minha família, amigos e a
música, são dos aspectos positivos que me
permitem passar pelos problemas.


O Johnny e o Hank Hell parecem estar sem-
pre presentes na tua carreira de músico.
Nunca pensaram em fazer algo os três, ao
longo destes anos todos?
Estou sempre a tocar. Adoro beber umas cer-
vejas na minha garagem e tocar velhos clás-
sicos do rock, na guitarra acústica. É nesses
momentos que obtenho o maior proveito de
ser músico, quando apenas toco pelo gozo
de o fazer, sem compromissos. Iniciares um
grupo, lançares música para o público, é algo
que implica muito trabalho, disciplina e en-
volvimento emocional. Apenas me vejo estar
numa situação dessas, numa banda de cada
vez e quando estou pronto para ir até ao fim.
Teres um projecto paralelo, soa interessante
e divertido no início, mas sei por experiência
que depois se torna um fardo e numa fonte
de distracção.


Já antes tiveste experiência de vocalista,
mas agora assumes mesmo o papel de
frontman. É difícil?
Como habitualmente, fico nervoso antes de
subir a um palco, mas depois relaxo e habituo-
-me, assim que toco as primeiras malhas da
noite. Poderes cantar as tuas próprias letras
torna tudo mais fácil e forte, principalmente
se elas tiverem mesmo significado para ti.


Com três guitarristas no grupo, muitas ve-
zes vais fazer apenas vozes, não?
Não. Nunca vou estar livre o suficiente para
me focar apenas na voz. Isso irá apenas
acontecer em breves momentos, como em


algumas partes de «So True». Depois da in-
tro de «Waiting», gosto de fazer uma pausa
e apenas cantar, mas é algo que traz profun-
didade ao tema. Raramente vou ter momen-
tos no concerto em que se escutem as três
guitarras. O Joos vai usar a guitarra apenas
quando for impossível para mim e o Joe não
conseguir tirar tudo nas guitarras. Gosto
sempre de cantar e tocar.

Pode dizer-se que este álbum resume o luto
pela morte do Pete e o fim dos Type O Ne-
gative?
Penso que resume o luto daquilo que me
aconteceu nos últimos dez anos e muito
disso resultou do trauma que Type O deixou
em mim, sim. Também captura alguma da
delicadeza que certas pessoas tiveram para
comigo. 

Escuto em «Waiting», um tema que soa bas-
tante psych rock, algo popular hoje. Tens
prestado atenção ao que se faz no momento?
Não prestava nenhuma atenção a isso quan-
do o tema foi escrito, que foi há quatro ou
cinco anos. Surgiu-me no meio da noite, gas-
tei uns quinze minutos a compor e escrever
as letras.

Referências a Black Sabbath eram expectá-
veis, mas escutar trechos que poderiam ser
de Pink Floyd, é surpreendente.
O «The Wall» deve ser o meu disco favorito
de todos os tempos, embora tenha dificulda-
des em escolher entre ele, o «Abbey Road»,
dos Beatles, ou o «Sabotage» dos Black Sa-
bbath. Há bastantes discos de muitos outros
artistas, como o «The Slider» dos T-Rex, toda
aquela música que mantemos perto de nós e
que libertamos no momento certo.

«Right Of Passage/Crossing Over» lida di-
rectamente com o tema do suícidio, algo
que aconteceu com bastantes músicos dos
anos 90. Tens uma ideia do porquê disso
acontecer?
É um fenómeno estranho, todos esses suicí-
dios entre músicos da minha geração. Claro
que há sempre as mortes por overdose ou
acidentais, que acontecem entre artistas
famosos, mas tantos suicídios assumidos
é desconcertante e faz-me pensar no que
houve de errado com aqueles que nasceram
entre os anos 60 e meados dos 70. Talvez por
terem sido uma geração que cresceu com
mais supervisão, por terem nascido quando
os índices de divórcio aumentaram? A amea-
ça da guerra fria? A influência de filmes e
música mais sombrios? Acho que deveria ser
algo que merecia ser objecto de estudo.

Para lá das letras, também idealizaste a
capa do disco.
Foi uma colaboração entre mim e o Joe Ja-
mes. A ideia dele era recriar a arte popular
nos anos 70 de decorar carrinhas, usar isso
para acentuar o lado rock do disco. Levámos
isso mais a sério e desenvolvemos como um
conceito de poster. Quando tinha onze ou
doze anos, eu e os colegas de escola íamos
para uma garagem atrás da casa do meu
amigo Tommy. Havia lá uma velha roulotte
de cachorros-quentes e tínhamos posters
desse género e incenso a arder. Ficávamos lá
todo o tempo a fumar charros e a ouvir Black

Sabbath e Pink Floyd. Queria capturar todas
essas memórias.

Vamos ter os Silvertomb na estrada nos
próximos meses? Planeias vir à Europa? O
alinhamento irá incluir temas de Type O?
Temos planos de tocar, claro, mas não pen-
samos tocar temas de Type O, embora não
seja algo posto de lado.

Há uns meses atrás, tiveste um grave aci-
dente, deixou-te sequelas que te afectem
enquanto músico?
Fui atropelado enquanto atravessava a estra-
da. Foi numa manhã de Novembro de 2018.
O motorista não me viu. Fui projectado e vi o
asfalto vir ter comigo e raspar-me na cara, o
meu último pensamento é que não ia correr
bem. Desde aí tive operações plásticas na
face, mas que não resolveram grande coisa.
Tive também uma cirurgia complicada no
ombro esquerdo mas agora já posso tocar
normalmente. Consegui escrever uns temas
interessantes com essa experiência, que
devo usar no próximo disco.

Manténs algum contacto com o Josh Sil-
ver? Ele tem planos de voltar à música?
O Josh casou com a irmã da minha esposa.
Vejo-o em todas as festas de família e é bom
estar com ele, principalmente depois de tudo
o que passámos. Agora é paramédico e não
pensa regressar à carreira de músico.

“Habituei-me a ser


confrontado com


amor e ódio em


tudo aquilo que me


tenho envolvido


musicalmente ao


longo destes anos.


Para cada beijo na


face, espero dois


murros na boca.”

Free download pdf