Loud! - PT (2020-01)

(Antfer) #1
po na estrada, que é o que temos feito ao
longo dos anos. Há países em que gostam
mais de determinadas canções, há países
em que gostam mais de uns álbuns do que
de outros. Temos de ter tudo isso em conta.
Por esta altura, sinto que já conseguimos
atingir um equilíbrio e, apesar de gostarmos
de dar um shake sempre que possível aos
alinhamentos, atingimos o ponto em que fi-
camos todos satisfeitos.

Já tens uma ideia de como vão ser os con-
certos do ciclo do «Quadra»?
O plano passa por, como sempre, estarmos
o melhor ensaiados e entrosados possível. É
nisso que vamos começar a trabalhar agora,
nos ensaios, sendo que queremos estar ap-
tos a tocar todos os temas do álbum. Assim
podemos ir experimentando alguns, vemos
como as pessoas reagem, vamos alternan-
do com outros, e vamos acabar por perce-
ber quais é que funcionam melhor. Quere-
mos, definitivamente, tocar tanto material
novo quanto possível, sem descurarmos o
que as pessoas querem ouvir também. Co-
meçámos a fazer as coisas assim com o
último álbum, o «Machine Messiah», do qual
andámos a tocar seis canções na maior
parte das digressões recentes. E as coisas
correram bem, tanto para os fãs como para
nós próprios.

Mostra-vos que não é só nostalgia, não é?
Sim, era a isso que me referia quando disse
que é bom percebermos que as pessoas ain-
da nos consideram relevantes. A evolução
é muito importante para os artistas e músi-
cos... É importante continuar a criar, de pre-
ferência algo que estabeleça uma conexão
com as pessoas. Para mim, isso sempre foi
o mais importante – sempre me senti atraí-
do por bandas que se atreviam a fazer coisas
diferentes das que já tinham feito. Sempre
fui a favor de um disco ser diferente do an-
terior; como fã, andei sempre à procura das
bandas que me pudessem surpreender. Não
estava interessado em ouvir o mesmo álbum
outra vez, não queria que os músicos fizes-
sem exactamente as mesmas coisas que já
tinham feito, porque isso seria demasiado
aborrecido para mim e, acredito, para quem
estava a “criar”.

Para ti, foi sempre, mesmo sempre, assim?
Não. É lógico que também passei por
aquela fase em que me sentia traído
quando as minhas bandas preferidas mu-
davam, mas... Não passámos todos por
isso, em determinada altura das nossas
vidas? [risos] Quando era mais novo não
sabia sequer quais eram as dinâmicas
de estar num grupo, por isso via tudo só
pela perspectiva do ouvinte. Hoje em dia,

já a podemos tocar ao vivo. É super-rápida, o
que acaba por ser sempre um desafio, e diga-
mos que não é a canção mais fácil de tocar,
mas isso, para mim, como artista, acaba por
ser bom. Os ensaios foram entusiasmantes
e agora, a cada vez que a tocamos, tento fa-
zer sempre melhor que da última vez... Isso
é muito importante para não nos tornarmos
complacentes, gosto de estar em bicos dos
pés, sabes? É muito mais criativo do que
estar em terreno confortável. Além disso, a
reacção do público à canção tem sido fan-
tástica – o que ainda nos dá mais moral.


Tocaram-na, pela primeira vez, no Rock In
Rio Brasil. Como é estrear uma canção fren-
te a milhares de pessoas?
Estrear um tema nessas condições é sem-
pre uma pressão do caraças. [risos] Ainda
por cima não é só o facto de irmos tocar um
tema pela primeira vez em público frente a
tanta gente, é também o sabermos que o
concerto vai ser gravado, transmitido na te-
levisão e na rádio em todo o Brasil e, basica-
mente, também numa série de países espa-
lhados pelo mundo. Sabermos que temos de
fazer as coisas bem em frente a milhões de
pessoas, não são apenas aquelas que estão
ali à nossa frente, traz, como é óbvio, muita
pressão extra. Mas nós nunca nos acobarda-
mos e enfrentamos esses desafios de fren-


te; arrisco-me até a dizer que vivemos para
esses momentos, em que está tudo a acon-
tecer. Depois, a reacção foi fantástica. Às ve-
zes não é fácil estrear canções em festivais,
que são eventos em que o público quer, na
sua grande maioria, ouvir os temas que co-
nhece, os refrães que sabe cantar, mas para
nós é muito importante fazê-lo. Foi para se-
rem tocados ao vivo que os temas foram es-
critos, por isso estamos entusiasmados para
mostrá-los ao público.


É sempre mais entusiasmante tocar o mate-
rial mais recente do que o antigo, sobretudo
aquele que tocam obrigatoriamente em to-
dos os espectáculos?
Eu, para ser muito sincero, gosto de uma
combinação entre o material mais recente
e os temas incontornáveis, digamos assim.
Os setlists são sempre um desafio, sobretu-
do no caso de bandas como os Sepultura,
que já têm um catálogo muito grande. E
isso, por si só, também acaba por ser um
talento, porque temos de criar alinhamen-
tos que sejam, de facto, apelativos para o
público e para nós próprios. Observar as
reacções do pessoal nos concertos faz-nos
aprender imenso, faz-nos dar importância
à ordem pela qual tocamos as canções...
E isso é algo que demora tempo a afinar, e
que só se consegue passando muito tem-


estou numa posição totalmente diferente
e sei inclusivamente que há bandas que
se sentem totalmente confortáveis a fazer
sempre a mesma coisa. Os AC/DC, por
exemplo. Essa é a marca registada deles,
abraçaram completamente a fórmula, que
tem um mérito inegável, e toda a gente fica
feliz enquanto só fizerem o que é AC/DC.
Se tentassem fazer algo diferente, prova-
velmente seria um desastre... E eu, prova-
velmente, ia ficar lixado. É o que é... Há fãs
e músicos que querem uma coisa, depois
há outros que querem outra.

Os Sepultura, pelo contrário, tentaram sem-
pre ir mais além.
Pois, no nosso caso foi assim mesmo desde
o início. Ainda antes de eu estar na banda,
era assim que eles faziam as coisas – essa
vontade de fazer coisas diferentes sempre
esteve presente no ADN do grupo. O «Arise»
é um álbum totalmente diferente do «Roo-
ts», o «Chaos AD» é diferente do «Beneath
The Remains», o «Schizophrenia» é... Enfim,
não há dois álbuns dos Sepultura que soem
exactamente iguais. Há, e sempre houve, uma
linha de pensamento contínua, porque a ideia
é sempre fazer mais e melhor. É óbvio que vai
ter sempre um som pesado e aqueles elemen-
tos definidores dos Sepultura, mas isso nunca
impediu a banda de criar e tentar coisas dife-
rentes. Penso que, por esta altura, os nossos
seguidores já estão à espera do inesperado...
Esperam sempre muito de nós e, sobretudo,
a geração mais nova tem a mente aberta.
Posso estar enganado, mas sinto que estão
sempre à espera de algo novo, de algo único, a
cada vez que lançamos um novo álbum.

É fácil irem sempre reinventando a música?
Já nem pensamos nisso, para nós é algo na-
tural. De certa forma, acho que não sabemos
fazer as coisas de outra forma. Entre todas
as tours que fazemos, as outras bandas com
que tocamos, as viagens que fazemos, as
culturas com que tomamos contacto e o fac-
to de ainda estarmos aqui, a fazer aquilo que
amamos, não nos falta inspiração para irmos
tentando desafiar-nos. Nós mudamos como
pessoas, o mundo está a mudar à nossa vol-
ta, tudo isso nos afecta e acaba por passar
para a música.

Qual era a ideia base quando começaram a
escrever este disco? Que objectivos tinham
desta vez?
Foi o Andreas [Kisser, guitarrista] que apareceu
com o conceito e com o título – “quadra”. Anda-
va a ler um livro que abordava conceitos como
a numerologia e o facto do número quatro ser
muito místico no sentido que representa o
momento em que alguma coisa acontece. A
palavra “quadra”, no Brasil, também representa
um campo de jogo, que é um sítio onde se tem
de obedecer a determinadas regras... E isso
levou-nos para as vidas que vivemos, que tam-
bém são assim. Todos nascemos dentro desta
espécie de caixa, onde decorre um jogo – que
é a vida de cada um. Depois há regras, e todos
temos de as respeitar; sem que saibamos bem
porquê, uma vez que as leis são votadas e a
população depois não sabe bem porque é que
gosta de umas medidas e não de outras. E, cla-
ro, em todas estas “quadras” há dinheiro que,
em última instância, acaba por governar tudo.

“Acho que toda a gente devia


questionar tudo. Ninguém devia


aceitar cegamente seja o que for


que lhes seja posto à frente.”

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