horizontal de reta. Marcou a extremidade direita deste segmento com um D (direita) e a extremidade
oposta com um E (esquerda). No meio do segmento colocou um C (centro).
Disse-me, depois, com toda a firmeza - nós devemos nos aproximar da esquerda. Traçou a seguir
sobre a figura uma elipse, envolvendo as letras C e E, como a incluí-las na mesma área. Eis o
desenho:
Fiquei atordoado com o que ouvira e, mais ainda, pela convicção com que foram ditas aquelas
palavras. Fixei o presidente e perguntei, vagarosamente, porém com visível repúdio pela asserção:
- 0 senhor acha que nós devemos ir para a esquerda?
Nada me respondeu. Arrancou a folha do bloco, dobrou-a, rasgou-a e colocou os pedaços do
papel no bolso direito de seu casaco.
Retirei-me da audiência muito preocupado. A explicação sobre o erro dos militares deixara-me
realmente aturdido.
Meditei bastante sobre o significado daquela declaração inopinada. O que pretendia o presidente
insinuar com aquela manifestação? Não estaria eu atribuindo àquelas palavras um sentido falso,
inexistente? Revelaria uma tendência do presidente Geisel para a chamada esquerda ideológica?
Especulando sobre a questão, afloraram-me à mente alguns fatos e informes aos quais não dera
crédito, na ocasião, por julgá-los maliciosos; todavia, reexaminados, podiam ajudar-me a desvendar
o que se tornara para mim um enigma: o pensamento do presidente.
Seria ele um democrata sincero ou escondia, sob esse rótulo, uma vocação socialista, adotando
procedimento muito comum, numa época de definições ambíguas e de partidos políticos híbridos?
Entre os fatos recordados estavam informações persistentes de que, em 1974, nos primeiros
meses do governo Geisel, o ministro Golbery do Couto e Silva procurara um ou mais oficiais do
Serviço Nacional de Informações e avisara-os de que o novo governo era um "governo de centro-
esquerda"- orientação importante para os trabalhos daquele Serviço. Visando a esclarecer, traçara
uma linha, dividindo-a ao meio e, sobre ela, marcando um ponto do lado esquerdo, dissera: é aqui
que nos situamos.
Não poderiam, portanto, surgir mais dúvidas de que o presidente e o ministro Golbery estavam,
perfeitamente, identificados quanto à posição ideológica. Esta, aliás, devia ser a situação da maioria