IDEAIS TRAÍDOS - sylvio frota - 706 Págs

(EROCHA) #1

"revolucionário" deveria, em última instância, prestar obediência às Forças Armadas. Estas não só
deveriam estar na política, como os mais altos interesses de Estado deveriam ser definidos pelos
chefes militares.


Em vários trechos do livro, vemos que as articulações para a candidatura de Frota à Presidência
da República são uma referência importante. Ele sempre recusa aceitar que estivesse a par desses
arranjos ou que tivesse incentivado a formação de um grupo de parlamentares que trabalhava o seu
nome. Nega ter tido ambições presidenciais, mas coloca-se como um presidenciável à sua revelia
por ser o mais expressivo representante de 1964 na ativa. Fica clara a percepção acerca da
subordinação da política aos interesses da "Revolução". O presidente da República deveria ser um
"delegado da Revolução", mas acabara se rendendo ao fascínio do poder.


Obviamente, Geisel não tinha a mesma visão. Para o presidente, "meteram na cabeça do Frota
que ele é que tinha que salvar o país do comunismo".6 Ainda segundo Geisel, "o ministro, pela
Constituição, é um auxiliar do presidente, é demissível ad nutum'Y O argumento presidencial era que,
por dever de disciplina, os generais teriam que obedecer à autoridade maior, o presidente da
República, comandante supremo das Forças Armadas. Na visão de Geisel, traição seria justamente o
contrário: os generais obedecerem ao seu subordinado e inferior hierárquico, o ministro do Exército.


O momento dramático da demissão, em 1977 - que Frota chama "a farsa de outubro" -, revela a
disputa entre as duas concepções: numa, representada por Frota e pela "linha-dura" que o apoiava, o
presidente era um "mero delegado da Revolução" e deveria subordinar-se a ela (leia-se: ao
pensamento do Exército, representado por seu ministro); na outra, de Geisel e seus aliados, a
Revolução já estava em outra fase, de "abertura'; e a dinâmica do jogo político, embora
permanecesse autoritária em muitos de seus fundamentos - basta lembrar a vigência do AI-5 -,
precisava levar em conta a oposição. Na primeira concepção, a disputa política era um mal
inaceitável; na segunda, um mal necessário.


Tanto Geisel quanto Frota concordavam, no entanto, num ponto: a hierarquia e a disciplina são
os pilares da instituição militar. Restava determinar a quem, no momento crítico, os generais do alto-
comando do Exército prestariam obediência e reconheceriam como chefe. Frota foi o perdedor. Em
sua visão, quando foi demitido sem que houvesse reação, os ideais da "Revolução" foram renegados.


Aquele foi um momento de decepção e solidão. Diz ter sido abandonado e traído por colegas de
muitos anos, agora generais do alto-comando do Exército. Grande parte do livro busca explicar esse
acontecimento. Por que ficou só? Por que os generais o abandonaram? Por várias vezes Frota critica
os generais que, na sua visão, se renderam ao fascínio do poder e perderam os antigos valores
castrenses de honra e dignidade. A política os corrompera ou, no mínimo, esvaecera seus ideais. O
livro, é portanto, também uma peça política, de acusação, que tenta atingir aqueles que o traíram.


A leitura deste livro, passadas três décadas dos eventos que narra, dá uma dimensão mais
precisa da grave crise político-militar vivida durante o governo Geisel. Sua importância para uma
compreensão mais densa da história recente brasileira não só justifica sua publicação como

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