IDEAIS TRAÍDOS - sylvio frota - 706 Págs

(EROCHA) #1

homem de caráter pastoso que, servindo a dois chefes, trai a ambos.



  1. A crise, parece-me, estava preparada para estourar na primeira oportunidade, contando para
    agravá-la a "corrente" palaciana, segundo se murmurou, com elementos no DOI/CODI do II Exército,
    no quartel-general desse Exército e, ainda, em áreas diversas do estado de São Paulo. O general
    D'Ávila Mello não se encontrava na capital paulista e disse-me, ao telefone, na manhã do dia 19 de
    janeiro, que acabara de ser avisado. Por que não lhe participaram a ocorrência antes? O ministro não
    foi avisado, o Comandante do II Exército inexplicavelmente deixou de sê-lo, o Chefe do SNI disse
    que ignorava tão grave ocorrência e, no entanto, o governador de São Paulo já sabia de tudo, até na
    versão solerte e falsa, que seria a centelha lançada no paiol. Estas foram as principais coincidências,
    mas houve outras que me dispenso de enunciar, em prol da síntese do assunto.


Coincidências?

Convenhamos que, pela articulação cuidadosa e oportuna, os fatos ajustavamse melhor a um
conluio do que a um feixe de coincidências.



  1. O Presidente da República, ao exonerar o general Eduardo D'Ávila Mello, conquistou a simpatia
    das esquerdas - as quais me dissera um dia não ser infenso - e prestigiou-se ante a opinião pública
    como chefe enérgico e cidadão de sentimentos humanitários. Aproveitou, por outro lado, a
    oportunidade para afastar de São Paulo, colocando em delicada posição, um general do qual não
    gostava e que já tentara transferir, por desentendimentos com o governador do estado, em 1974,
    consoante escrevi. Valeu-se também do momento para colocar no cargo um homem identificado com
    seus métodos políticos e consolidar, assim, um esquema militar próprio. 8. Estou convencido pelos
    fatos e observações posteriores, pelo que assisti e ouvi em várias ocasiões, que o presidente Ernesto
    Geisel fez dos acontecimentos de São Paulo o seu casus belli.11


A razão aparente foi o seu comovente sentimento humanitário, que sensibilizou multidões, atraiu-
lhe a benevolência dos setores religiosos radicais e aplausos dos opositores que o conheciam pouco.
Seu prestígio subiu, sustentado por campanha favorável da imprensa. Entretanto, foram mesquinhos
objetivos políticos que o levaram a agir daquele modo.


Arruinou-se, assim, o sentido de amor ao próximo que geralmente se atribui a sua decisão,
corroído pelo propósito ludibriante.


Pesei muito os acontecimentos dos quais, como ministro, participei. Examinei-os à luz da
fraternidade e do interesse coletivo sem contudo encontrar, nas decisões do general Ernesto Geisel,
uma manifestação que me permitisse considerar, qualquer delas, exclusivamente, como fruto de um
sentimento cristão, puro e desinteressado, visando a beneficiar o próximo. Fundamentalmente
vislumbrava-se sempre um interesse egoístico ou político. Se houve outro, por ser tão raro, nunca o
percebi.


Entre muitas ocorrências que poderia invocar para consubstanciar este julgamento está uma,
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