Pouco tempo depois, voltou o general Chefe do CIE ; trazia nos lábios um sorriso indefinível -
que faria inveja ao pincel de Leonardo da Vinci. Pronunciou, quase balbuciou, algumas palavras de
desilusão e disse, finalmente, que o general Chefe do Serviço Nacional de Informações mandara
arquivar a documentação.
Confesso que me surpreendi, ou melhor, que não entendi a solução. Havia no desenrolar dos
acontecimentos uma ilação que até os cérebros mais broncos teriam levantado com facilidade -
existia ou um caluniador ou um corrupto.
Se existia um caluniador deveria ser processado; se existia um corrupto deveria ser punido.
Do meu ponto de vista só averiguações profundas, realizadas com extremas lisura e severidade,
teriam condições de elucidar os fatos e definir, moralmente, seus protagonistas. Em contrário,
esquecendo-se o caso, enfrentar-se-ia o risco de permanecer a suspeita, manchando a honra de, pelo
menos, dois homens, quando apenas um merecia ser enodoado.
Enquanto estive no cargo de ministro, nada mais soube sobre este deplorável episódio. Se
providências foram tomadas no sentido de colher a verdade, ignorei-as. Acredito, no entanto, que
seria obrigatória uma informação do SNI ao Ministério do Exército, porquanto, por exigência
funcional de manuseio dos documentos e permissividade legal, vários oficiais do Estado-Maior do
Exército e do Centro de Informações do Exército tomaram conhecimento da ocorrência. Deviam, por
conseguinte, ser informados.
Tendo sido outro o procedimento, apareceram as inevitáveis especulações e a malícia compôs
versões, enfeitando-as a seu bel-prazer.
Não vi razões morais para o governo revolucionário sepultar o evento nem as descobri, mais
tarde, na elevação político-funcional da autoridade aludida. Estas atitudes depreciaram bastante o
governo no âmbito militar. Se outros motivos houve para isso, provavelmente, foram de ordem
política ou pessoal.
O caso de Jeremy Thorpe, líder do Partido Liberal inglês, levado às barras de um tribunal por
prática de homossexualismo; o suicídio do ministro Robert Boulin, do RPR do general De Gaulle,
acusado de transações imobiliárias irregulares; o caso Watergate, de Richard Nixon; e muitos outros,
mostram que os países de instituições básicas fortes e inatacáveis não vêem perigo em processar
autoridades, não usando o arquivamento.
Quando se lança uma acusação a qualquer pessoa de responsabilidade e brio o maior interesse
de que seja apurada e esclarecida deve ser do próprio acusado - assim pensam os homens de bem.
Uma causa que é justa e digna não se oculta no anonimato nem se escuda na proteção oficial.
Mas "os homens são o que são e não o que desejamos que sejam". A sabedoria divina,
impregnando as palavras dirigidas a Moisés - Ego sum qui sum - comprova a verdade dessa sentença