Sabor Club - Edição 37 (2020-02)

(Antfer) #1

66 | Sabor. club [ ed. 37 ]


“COZINHA ANCESTRAL É AQUELA MAIS BÁSICA e fundamental.
A que nos ajudou na nossa construção como seres humanos. E impulso para
a formação das comunidades e dos clãs.”
Leo Boto trabalha e define o seu trabalho. Como um maquinista, ele coloca
mais ou menos brasa, alcança um toco de lenha, desce e sobe a grelha, mede
com o termômetro, depois com a mão. O chefe à frente do Boto, numa casa
gostosa em Pinheiros, São Paulo, deixou o fogão para aprender a usar o calor
rústico, num longo aprendizado, “muito mais complexo do que usar os botões
do forno”. No caminho, houve viagens para ver os índios moquear na Amazônia
e para ver os mestres dos assados, na espanhola San Sebastian, chegarem em
pontos perfeitos, sem nem sequer deixar marcas de fogo nos produtos.
Antes disso, veio o despertar pela brasa, com o mesmo fascínio que o
hipnotizava diante de uma de fogueira, no sítio onde passava férias, nas
montanhas que levam ao litoral norte paulista. “Via a fumaça fazer desenhos,
a madeira mudar de forma. Tinha vontade de brincar com aquele fogo. Hoje, o
meu desafio é dominá-lo.”
O aprendizado começou pelas mãos de Paola Carosella, quando Leo fazia
parte da equipe dela no Julia Cocina, restaurante no qual a cozinheira começou

a desenvolver um trabalho autoral, a partir do que aprendera sobre brasa, lenha
e fornos de alta temperatura, com o pai-de-todos Francis Mallmann.
Depois viu mais de perto ainda as ousadias geniais do mestre argentino,
quando passou duas temporadas em contato direto com a cozinha dele. Uma
no Los Negros, na praia de José Ignácio, perto de Punta Del Este, no Uruguai.
E outra no 1884, em Mendoza, na Argentina. “Foram experiências bárbaras,
embora tenha cruzado com ele umas duas vezes, se muito. O Francis explica o
que quer e o que sabe para o que chama de jovens talentosos. Depois não fica na
cozinha, dá carta branca. Diz que quer vê-los crescer. Ele, aliás, é conhecido por
isso. Então, vai tocar violão, escrever poesias...”
A vida do Leo no seu Boto é diferente. “A cozinha do fogo demanda demais
da gente.” Mesmo longe da parrilla, estuda, pesquisa, busca ir além do limite.
O comportamento, ele diz, é resultado da vontade de sempre procurar o
caminho mais difícil. O cozinheiro faz parte do clube desse tipo de gente.
E o trabalho com o fogo caiu sob medida para ele. “Cozinhar com o fogo exige
muito mais do cozinheiro. Ele não apita quando a comida está no ponto”, diz.
“O preparo depende do nosso cuidado, da constante atenção da temperatura
e de como ela faz o produto reagir. Este é o segredo para chegar num bom
resultado final. É muito artesanal, sabe? E esse amor faz uma puta diferença.”
A gente percebe ao comer pérolas como a costela moqueada. Ela era
preparada durante 8 horas até que Leo percebeu que podia encurtar o processo
também usando uma grelha basculante, chegando a um melhor equilíbrio de

“Via a fumaça fazer desenhos, a madeira mudar de forma. Tinha
vontade de brincar com aquele fogo. Hoje, o meu desafio é dominá-lo”

A toca
do boto
É nela que o
cozinheiro vai
ousar ainda mais

Enquanto o
cozinheiro e o
seu restaurante
vão ganhando,
aos pouco, fieis
admiradores, ele
já pensa no seu
menu degustação
de 8 cursos,
que será servido
num ambiente
exclusivo, para até
dez pessoas. Ele
terá uma única
e bela mesa de
madeira, integrada
ao jardim florido
que fica um
nível abaixo do
salão principal.
Lá, o chef usará
basicamente
lenha de árvores
frutíferas que
defumará
produtos especiais
com os quais
pretende cozinhar.
Entre eles,
também num
futuro próximo, o
cardápio incluirá
a charcutaria que
o Leo já faz e
descansará numa
sala de cura,
desenhada
por ele.
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