Sabor Club - Edição 36 (2020-01)

(Antfer) #1

24 | Sabor. club [ ed. 36 ]


O ARREPIO NARRADO pela cozinheira vem quando ela desce pela trilha nas escarpas
de uma praia escondida na vila de Sesimbra, em Portugal, entre arbustos de alecrim,
oliveiras e abelhas nas flores. Então, a paisagem é transformada em filé de robalo ao molho
de laranja, mel e aroma de alecrim. Em ladeira do Bairro Alto, a saudade bate forte, com
súbitas lembranças eróticas e o eco na cabeça das palavras de Florbela Espanca, até o
momento em que o coração sossega nos movimentos do fouet na panela dos ovos moles.
Como nos versos da poeta lusitana, a vida da carioca Mariana Daiha Vidal precisa de
intensidade e esquinas para se dobrar. É a história da advogada que virou cozinheira,
transformou o prazer de receber em bufê elogiado, no Rio, e passou a registrar os
sentimentos com caneta e colher de pau. As crônicas que anunciam receitas misturam
ficção e realidade, com tintas de intimidade e pitadas de autoajuda, como percebemos
ao acompanhar as andanças da moça pela capital portuguesa, no recém-lançado
Saboreando Lisboa (Ed. Senac).
“Dou a cara a tapa nas páginas, né?”, pergunta, com uma risada aberta de cumplicidade.
“Não me incomoda a exposição quando sinto que estou inspirando as pessoas, vendo o
universo girar. A mudança é o viés dos meus livros”, diz Mariana.

O momento de ruptura com a advocacia é o ambiente do primeiro volume, Saboreando
o Rio, que festeja o casamento realizado após uma oração na catedral de Santo Antônio,
em Lisboa, e agraciado no primeiro café da manhã a dois, com o improviso de um crepe
de cogumelos porcini que virou a cabeça do pretendente. O segundo livro retorna
à amada cidade de além-mar, com a dor e a liberdade da separação.
“Entre pastéis de nata, amêijoas, farinheiras e amarguinhas, resolvi que levaria na mala
apenas alegria”, escreve a autora.
Inspirada pelas taças da paisagem lisboeta, a autora descobre ingredientes nas feiras e
observa a vida pelas janelas indiscretas: um senhor que fuma charuto ao som dos fados
de António Zambujo, a família gritando após um gol do Benfica, um casal de franceses
fazendo amor na varanda, com a mesa cheia de iguarias.
Também conhece amigos para toda a vida, como Pedrão, Cavaleiro do Vinho do Porto,
e a mulher, Vitalina, donos do restaurante Terroso, em Cascais, de onde vêm as receitas
do bife de pato com batatas sautée, e do bacalhau com coentros e batatas ao murro.
“Eu gosto de casa e de gente, da vida que faz sentido com os amigos perto da cozinha.
Meus textos seguem esses amores”, afirma. “Não tenho pretensão de rebuscar, quero
ver as pessoas felizes cozinhando, respaldadas por receitas bacanas.”

“Eu gosto de casa e de gente, da vida que faz sentido com
os amigos perto da cozinha. Meus textos seguem esses amores”
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