Sabor Club - Edição 36 (2020-01)

(Antfer) #1

42 | Sabor. club [ ed. 36 ]


A HISTÓRIA DO CLAUDE TROISGROS


no Brasil começa antes mesmo dele vir da sua
Roanne, na França, para cá.
No final dos anos 1970, o nosso saudoso mestre
José Hugo Celidônio comandava a cozinha do
Hippopotamus, lendário night club da cena carioca,
e lá promovia jantares com chefs franceses famosos,
que pavimentaram o caminho para invasão francesa
aos restaurantes do Rio, pouco depois. Num deles,
estava o grande Pierre Troisgros, um dos inventores
da nouvelle cuisine, movimento francês que mudou
o rumo da gastronomia mundial.
Filho de Jean Baptiste Troisgros, o criador da
Maison Troisgros (combinação de hotel de charme
e restaurante estrelado pelo Michelin, há 50 anos),
na terra natal da família, e pai de, entre outros

rebentos, Claude Troisgros, ele encantou-se com
o Brasil, na ocasião da sua vinda. E, a pedido do
amigo e chef igualmente famoso Gaston Lenôtre,
que abria o sofisticado Le Pré Catelan na cidade,
voltou para casa com uma convocação: precisava
enviar um bom cozinheiro para o restaurante
do compatriota na terra do Carnaval. Claude
se candidata, sem pestanejar.
Ele é um menino, tem 23 anos, vários deles
dentro de uma cozinha profissional. Não só a dos
Troisgros. Isso porque Pierre assinara, com um
velho amigo, uma espécie de contrato de aprendiz,
a ser cumprido quando o filho chegasse aos 16.
Nome do amigo: Paul Bocuse. “Minha rotina era
da escola para o restaurante e vice-versa, até os 16
anos. Não decidi, eu nasci cozinheiro, não cheguei
a considerar outra possibilidade”, diz.
O aprendizado de Claude passa também pelo

curso de gastronomia da tradicional Escola de
Hotelaria Thonon-Le-Bains, pelo tradicionalíssimo
Taullevet, em Paris; pelo Cork, Relais & Chateaux
na Irlanda; por hotel em Londres; por restaurante
que muda o cardápio todos os dias, em Munique.
Com a bagagem robusta (e um talento nato!),
apesar da pouca idade, Claude mal entra na cozinha
do Lenôtre e assume o posto de chef, embora não
tenha vindo ao Brasil para isso – outro francês que
viera para o cargo brigou com o dono da casa e
foi embora. É ali que ele começa a fazer a própria
história, para mudar a nossa.
Não muito diferente de outros cozinheiros
estrangeiros, se depara com uma situação com a
qual não tem como lidar: a escassez de ingredientes
realmente frescos e de qualidade. “Aqui era tudo

enlatado, congelado. Não faltava só escargot e foie
gras. Faltava azeite, manteiga... O creme de leite
era em lata!”
Lá vai ele, então, garimpar nas feiras o que
chama de “novas possibilidades”. Descobre o
maracujá, o aipim, o palmito, a jabuticaba,
a batata baroa, a rapadura. E, com eles, dá origem a
criações exuberantes, com a assinatura da nouvelle
cuisine, na qual o pato com laranja ganha fruta
tropical, o cassis vira jabuticaba, o purê de castanha
passa ser feito com feijão.
Sob o seu comando, o Le Pré Catelan faz um
sucesso retumbante – embora muitos clientes não
entendessem o viés criativo de Claude, esperando
que o “restaurante francês de um hotel idem
(o luxuoso Rio Palace) trouxesse uma culinária
mais tradicional”. A conversinha acaba levando
o chef para Búzios, o balneário ao norte do Rio,

“Minha rotina era da escola para o restaurante e vice-versa, até os 16 anos.
Não decidi, eu nasci cozinheiro. Não cheguei a considerar outra possibilidade”
Free download pdf