Sabor Club - Edição 36 (2020-01)

(Antfer) #1

Sabor. club [ ed. 36 ] | 45


descoberto pela Brigitte Bardot, anos antes.
Ao lado da mulher, Marlene, grávida do futuro
Thomas Troisgros, ele abre o Le Petit Truc, apenas
com peixes grelhados. “Eu só trabalhava nos fins
de semana. Não porque eu quisesse, mas porque
não tinha clientes.” Para não virar hippie, atende a
um pedido do pai e acaba voltando para Roanne.
É aí que se dá uma das grandes questões da vida
do Claude: o seu coração já era carioca e ele não
se readapta a rotina da “cidade pequenininha”, nas
palavras dele, onde nasceu. Resolve voltar para o
Brasil e arruma uma senhora confusão como pai.
O patriarca tinha o sonho de juntar os irmãos e
continuar a saga dos Troisgros, desde que o pai dele
abriu um restaurante em frente a estação de trem,
no qual fazia cozinha tradicional francesa, já com


algo inesperado. Uma das especialidades da vó de
Claude, Mme. Marie, era o linguado com banana.
“Nem sei onde ela arrumava a fruta”, comenta
Claude. M. Jean Baptiste, um grande conhecedor
de vinhos da Borgonha, harmonizava o prato com
vinho tinto, o que causava enorme estranhamento



  • mas funcionava que era uma beleza.
    Com Claude já no Rio, Pierre ficou durante
    anos sem falar com o filho, que acabara de abrir um
    mínimo restaurante, com um fogão de casa e uma
    geladeira usados, além de pôsteres de Paris e seis
    mesas com 18 banquinhos. Batizado com o nome
    da sua cidade, Roanne, ele fica numa
    galeria inabitada, no Leblon (para falar
    bem a verdade, havia um cabeleireiro
    por lá). Nos três primeiros dias não
    entra uma viva alma na casa. Até que,


no quarto, surgem dois homens que, ao final da
refeição, perguntam ao chef porque ele chamou o
restaurante de Roanne. “Porque é a minha cidade.”
Então houve de um deles que, todos os anos, ele
vai para lá especialmente para comer na Maison
Troisgros. E indaga: “Você conhece?”. A resposta
é seca: “Conheço”. Metido na estrutura capenga,
Claude fica com vergonha de revelar quem
realmente é, mas pega o cartão do gentil senhor que
fazia tantas perguntas: José Bonifácio de Oliveira
Sobrinho, o Boni.
Manda-chuva da Globo e conhecido por ser um
gourmet de primeira, as recomendações dele fazem
com que o vazio Roanne tenha fila na porta, já no
dia seguinte. E assim fica até o inquieto cozinheiro
que, quando criança, sonhou em ser fotógrafo

de aventura, o transforma em CT, também com
o grande sucesso. Até ir para os EUA abrir o CT
New York, com os empresários Sergio Carvalho e
Ricardo Amaral, que, na época, já fazia sucesso com
empreendimentos na cidade (enquanto driblava
o assédio da máfia nova-iorquina). Com Claude
não foi diferente, apesar do comentário ressabiado
do pai, Pierre Troisgros, quando soube que o filho
teria um restaurante com o seu nome, na capital
do mundo. “Olha, colocar o nome da família não
vai ajudar”, disse. “Ele estava preocupado, não
acreditava em mim”, lembra Claude.
Em semanas, o CT ganha estrelas do
The New York Times e vira febre. Pierre,
enfim, passa a enxergar o filho com outros
olhos. Mas ainda ressabiado.
Anos mais tarde, de volta ao Brasil,

“Quando cheguei no Brasil, tudo era enlatado, congelado. Não faltava só escargot
e foie gras. Mas também azeite, manteiga... O creme de leite era em lata!”

Dicas do chef
Claude Troisgros é um chef notável. Ficou conhecido como um raro cozinheiro que junta
com elegância acidez e doçura; picância e leveza. Em Histórias, Dicas e Receitas (Ed. Sextante),
ele desvenda muito do que sabe, em orientações para iniciantes e iniciados. Desde que o livro
foi lançado em 2018 se tornou um must have da nossa literatura gastronômica.
Free download pdf