National Geographic - Portugal - Edição 227 (2020-02)

(Antfer) #1
NATIONALGEOGRAPHIC

A


A LINHA DO ESTORIL é a mais antiga zona balnear e
de veraneio de Portugal. Historicamente, acolheu
banhos de reis e banqueiros, fidalgos e janotas.
No “Guia do Banhista e do Viajante”, obra de Rama-
lho Ortigão que iniciou em 1876 a tradição literária
portuguesa sobre lazer e ócio associada aos banhos
do mar, as praias do Tejo, como Pedrouços ou Paço
de Arcos, não são negligenciadas, pois são “as mais
propícias à constituição dos valetudinários [os
enfermos] e dos anémicos”. Mas o escritor recusava
então a Paço de Arcos a matriz de elitismo que o
século XX lhe atribuiria sem favores: “Dizem que é
a praia mais aristocrática dos subúrbios de Lisboa.
Não sei bem de onde é que esta fama lhe procede.
Custa tanto já hoje a assinalar na sociedade portu-
guesa o ponto em que a aristocracia principia e o
ponto em que ela acaba.”
Actualmente, as praias que se prolongam da foz
do Tejo até Cascais continuam a ser, até pela sua
proximidade à capital, imensamente populares.
No final do Verão, os areais continuam a receber
banhistas e praticantes de desportos náuticos e não
consta que o lamento de Ramalho no século XIX (“é
pena que, de tantas senhoras que se banham em
Pedrouços, no Dafundo, em Paço d’Arcos, em toda a
orla do Tejo, tão poucas nadem”) ainda tenha


justificação. O acesso à praia democratizou-se. Gene-
ralizou-se. A fruição da orla marítima modificou-se
radicalmente durante o século XX, com evidentes
vantagens de saúde e bem-estar, mas trazendo novos
transtornos. E homens ilustres como Ramalho, ape-
sar de toda a clarividência e até do gosto pela histó-
ria natural – uma paixão do autor que o levou a
deixar na mesma obra impressões notáveis sobre as
espécies de fauna mais comuns na costa portuguesa
e respectivos comportamentos e estratégias preda-
tórias –, não poderiam adivinhar que, um século e
meio mais tarde, o debate teria outros matizes e seria
calibrado em função de valores de conservação, de
escassez de stocks e de impactes das actividades
humanas sobre os ecossistemas marinhos.

AO FIM DA TARDE, a luz do crepúsculo pinta a fachada do
Hospital de Sant’Ana, fundado em 1904 para curar
doenças reumáticas. Nos estacionamentos junto da praia,
enquanto os banhistas retardatários arrumam as pran-
chas, toalhas e raquetes e se dirigem a casa, vêem-se
chegar automóveis de alta cilindrada que trazem os
clientes dos muitos restaurantes de peixe e marisco
instalados junto do mar. Hoje, porém, há um conjunto
de automóveis mais modestos que também disputam
esses lugares de estacionamento e cujos ocupantes,
apesar de também virem à procura de peixe e marisco,
não têm como objetivo a degustação.
Abrem-se as bagageiras e saem botas de borracha,
baldes, camaroeiros e lanternas potentes. O Sol já se
pôs e a extensa laje de pedra que só fica exposta em
dias de Lua cheia ou Lua nova faz a pequena Praia das
Avencas parecer muito maior do que o costume.
Em meados da década de 1990, o então jovem
estudante de biologia Frederico Almada, que cres-
cera em Parede, começou a acompanhar o já desa-
parecido biólogo Vítor Almada na monitorização
da fauna da zona intertidal (a coincidência dos
apelidos de ambos não passa disso mesmo). Sen-
tia-se grande entusiasmo pela conservação no país.
Na Arrábida, nascia o Parque Marinho Professor
Luiz Saldanha. Na ilha do Corvo, pescadores e mer-
gulhadores entendiam-se para estabelecer uma
reserva voluntária no Caneiro dos Meros. E em 1998
foi classificada a Área Marinha Protegida das Aven-
cas, a primeira área marinha protegida com gestão
local em Portugal Continental.

GRANDE ANGULAR | ÁREA MARINHA PROTEGIDA DAS AVENCAS


TEXTO E FOTOGRAFIAS DE MÁRIO RIO

GRÁFICO: ANYFORMS. FONTE: FREDERICO ALMADA (ISPA) E PROJECTOS FCT/MARE/ISPA-IU,
REBREATH/RECIFES INTERTIDAIS (2019) E AQUASIG3 (2020)
Free download pdf