National Geographic - Portugal - Edição 227 (2020-02)

(Antfer) #1
NATIONALGEOGRAPHIC

GRANDE ANGULAR | ÁREAMARINHAPROTEGIDADASAVENCAS


avançar um pouco mais em direcção ao mar, já com
água pelas virilhas, Frederico começa a contar
jovens robalos e vejo-o torcer o nariz. “Hoje, esta-
mos a encontrar um número surpreendentemente
elevado de peixes”, explica. “Os robalos são muito
vorazes. Se se mantiverem por aqui, vão comer os
restantes.” Na zona tidal, como em qualquer habi-
tat, o equilíbrio do ecossistema é frágil.
O trabalho da noite ainda não chegou a meio.
Enquanto alguns estudantes vão contando ou captu-
rando peixes, outros vão medindo, definindo o género
e tirando notas, sempre sob a orientação bem-disposta
do professor. Ao longe no areal, recortados contra a
iluminação artificial, vemos surgir três silhuetas.
Quando se aproximam mais, verificamos que são
polícias que estranham um grupo de lanterna em
punho a esta hora da noite em acção nas rochas
expostas pela baixa-mar. Frederico Almada mostra
prontamente as autorizações e louva a iniciativa da
polícia, vigilância fundamental para que o estatuto
de conservação desta área seja respeitado.
Depois da breve interrupção os biólogos voltam ao
trabalho. Já passa das 23 horas e ainda há outro canal
para prospectar. Este ambiente é rico em espécies
residentes, como cabozes, que têm o seu território
restrito a uma única poça, mas é também uma área
vital para espécies que o usam como maternidade ou
onde os juvenis se abrigam antes de terem dimensão
para se aventurarem em águas mais profundas.
Quando penso nesta imagem, constato que, além
do enorme mérito deste projecto para ajudar a com-
preender o que se passa nos oceanos, ele constitui
igualmente um extraordinário laboratório vivo às
portas da capital, dando a oportunidade a estudan-
tes e jovens biólogos de porem as mãos na massa
antes de se aventurarem no seu próprio caminho.
Quando termina o trabalho, já a Estrada Marginal
tem pouco movimento. O tempo vai começar a arre-
fecer, mas Frederico continuará a vir usufruir das
esplanadas à beira-mar e visitar a zona entre marés
de duas em duas semanas. Medirá com afinco os
espécimes que encontrar e avaliará as flutuações
de efectivos. Quando regressarem os meses quentes,
voltará ao areal com a família. Não está previsto um
fim para este projecto invulgar de avaliação de longo
curso dos impactes da nossa actividade sobre o mar
que nos cerca, mas é possível que mesmo que um
dia Frederico se canse, um dos seus alunos pegue
na tocha e prossiga a viagem.
O conhecimento aqui recolhido por poucos aju-
dará certamente a que se façam escolhas mais infor-
madas no interesse da preservação dos oceanos de
que todos dependemos. j

A semente estava lançada e, no estágio de licen-
ciatura, Frederico aprofundou esse trabalho. Em
2006, já como docente, revisitava a área regular-
mente através da orientação de dois alunos com
trabalhos sobre duas das espécies mais emblemá-
ticas deste ambiente: o sargo e o peixe-rei. Foi no
entanto necessário esperar até 2009 para, como
docente e investigador do ISPA–Instituto Universi-
tário, montar um dispositivo de monitorização quin-
zenal que se prolonga até hoje.
Enquanto desce as escadas de acesso à praia,
acompanhado por um grupo de estudantes que
terão a mesma idade que Frederico tinha quando
começou este caminho, o biólogo desabafa: “Estu-
dos de monitorização de um ou dois anos são inte-
ressantes, mas representam apenas uma fotografia”,
diz. “Se queremos ser minimamente eficazes a gerir
recursos vivos ou monitorizar alterações ambientais
precisamos de um filme.”
Este filme pode ser feito com poucos recursos, mas
precisa de boa vontade durante um período alargado
de tempo. Tem sido graças ao apoio de instituições
como a FCT, o Oceanário de Lisboa e a Câmara Muni-
cipal de Cascais e ao trabalho voluntário dos estu-
dantes que foi possível chegar até aqui. O competitivo
mundo do financiamento científico, onde o mérito
tem vindo a ser aferido em função da velocidade e
abundância de publicações, não se compadece com
o tempo dos estudos de longa duração.
Frederico Almada, porém, está convicto de que
nem que seja com trabalho voluntário que o sacrifício
de sair de casa ao anoitecer depois de um longo dia
de trabalho para passar o serão mergulhado na água
até à cintura vale a pena. A década de dados acumu-
lados fornece agora um filme com algumas surpresas.
Depois de um declínio assustador do número de
peixes de algumas espécies nos últimos dois anos,
tem vindo a ser possível vislumbrar uma recupera-
ção. Os dados analisados separadamente poderiam
ser interpretados primeiro como uma consequência
das alterações climáticas ou posteriormente como
um sucesso decorrente da criação da Área Marinha
Protegida das Avencas, mas Frederico Almada está
convicto de que a realidade é mais complexa.
“Os sistemas oceânicos são feitos da interacção de
muitos factores e as flutuações só podem ser correc-
tamente compreendidas com projectos de monito-
rização de longa duração”, diz.

POUCO DEPOIS DE ENTRAREM NA ÁGUA, os biólogos
começam a medir sargos, safias, salemas, peixes-rei
e a contar polvos, navalheiras, vinagreiras, estre-
las-do-mar, nudibrânquios e muitas outras. Ao
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