National Geographic - Portugal - Edição 227 (2020-02)

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No início da década de 1990, a definição de be-
leza imposta às mulheres começou a alargar-se
com a chegada de Kate Moss e da sua figura ma-
gra e estética vagamente endiabrada. Com 1,70
metros, era baixa de mais para modelo. A adoles-
cente britânica não era particularmente graciosa
e faltava-lhe o porte aristocrático que dava uma
aparência principesca a muitas outras modelos.
A ascensão ao estrelato de Moss, como protago-
nista dos anúncios da marca Calvin Klein, im-
plicou um grande afastamento relativamente às
gazelas de pernas longas do passado.
Kate Moss perturbou o sistema da beleza, mas
ainda se enquadrava na zona de conforto da in-
dústria, com o seu conceito branco e europeu de
beleza. O mesmo se aplicou aos porta-estandar-
tes da juventude da década de 1960, como Twig-
gy, com o seu físico esguio, desajeitado e sem as
curvas como um rapazinho de 12 anos. A década
de 1970 trouxe-nos Lauren Hutton, que causou
grande escândalo pelo simples facto de ter um
espaço entre os dentes.
As primeiras modelos negras a quebrarem
barreiras eram relativamente seguras: mulheres
como Beverly Johnson, a primeira afro-america-
na a figurar na capa da “Vogue” norte-americana,
a somali Iman, Naomi Campbell ou Tyra Banks.
Tinham feições esbeltas e cabelo solto ou peru-
cas ou madeixas que criavam a ilusão de o terem.
Iman tinha um pescoço luxuriantemente com-
prido que fez a lendária editora de moda Diana
Vreeland ficar sem fôlego. Naomi Campbell era
toda pernas e ancas e Tyra Banks alcançou a
fama depois de uma sessão de fotografia como
rapariga normal de biquini às bolinhas na capa
da “Sports Illustrated”.


ALEK WEK FOI UMA REVELAÇÃO. A sua beleza era
completamente diferente.
O seu cabelo encarapinhado apresentava-se
cortado rente ao couro cabeludo. A sua pele apa-
rentemente sem poros tinha a cor do chocolate
negro. O nariz era largo e os lábios grossos. As
pernas eram impossivelmente compridas e in-
crivelmente finas. Na verdade, todo o seu corpo
parecia uma figurinha de madeira africana, rija e
esticada, que ganhara vida.
Para olhos treinados para interpretar a beleza
através da lente da cultura ocidental, Alek Wek
foi chocante... e os negros não foram excepção.
Muitos não a consideravam bela. Até mulheres
que poderiam olhar para o espelho e ver a mes-
ma pele quase tão escura como carvão e o cabelo


encarapinhado devolvidos pelo reflexo tiveram
dificuldades em identificar-se com a rapariga
que figurava na capa da “Elle”.
Ela foi abrupta e urgentemente transformati-
va. Era como se uma enorme montanha cultural
tivesse sido escalada, subindo a direito por uma
encosta íngreme, como se não houvesse tempo
nem paciência para atenuar o esforço com zigue-
zagues. A aclamação de Alek Wek foi excitante e
vertiginosa. Ela era o oposto de tudo o que existi-
ra anteriormente.
Hoje, estamos numa posição mais confortável
do que a geração passada, mas ainda não atingi-
mos a utopia. Muitos dos recantos mais exclusivos
da beleza ainda não aceitam mulheres de maiores
dimensões, com deficiências ou mais velhas.
Para ser franca, porém, não sei exactamente
como será a utopia. Será um mundo onde todas
recebem uma tiara e uma faixa de rainha de be-
leza só por comparecerem ao evento? Ou será um
mundo no qual a definição de beleza é tão alargada
que perde o significado? Talvez o caminho para a
utopia seja reescrever a definição do próprio mun-
do para melhor reflectir a maneira como o enten-
demos hoje, algo superior ao mero prazer estético.
Sabemos que a beleza tem valor financeiro.
Queremos encontrar-nos rodeados de pessoas
bonitas que nos agradem, mas também porque
pensamos que elas são seres humanos intrinse-
camente melhores. Disseram-nos que as pessoas
atraentes recebem melhores salários. A verdade é
um pouco mais complexa: aquilo que obtém me-
lhor pagamento é uma receita composta por bele-
za, inteligência, charme e simpatia. Ainda assim,
a beleza faz parte integrante da equação.
No entanto, a um nível poderosamente emo-
cional, o epíteto atraente significa ser-se bem-
-vindo ao diálogo cultural. Tornamo-nos parte
do público do marketing e da publicidade. Somos
desejadas. Vistas e aceites. Quando surgem ques-
tões sobre a aparência de alguém, isso traduz
perguntas como: “Até que ponto é aceitável? Até
que ponto é relevante? Será que ela interessa?”
Actualmente, a sugestão de que uma mulher
não é bonita tem custos sociais e pode até pro-
duzir uma das típicas vagas de fundo das redes
sociais. Que tipo de monstro declara que outro
ser humano não é atraente? Fazê-lo é quase como
considerar essa pessoa inútil. É melhor mentir.
Claro que és bonita, querida, claro que és.
Chegámos a um ponto em que a beleza equi-
vale a humanidade. Se não virmos beleza noutra
pessoa, é porque somos cegos perante a sua hu-
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