National Geographic - Portugal - Edição 227 (2020-02)

(Antfer) #1
OÚLTIMONAVIONEGREIRO 69

Há muito que os problemas de justiça ambien-
tal afectam a comunidade, afirma Joe Womack,
major reformado do corpo de fuzileiros e funda-
dor de uma associação de defesa de Africatown.
As indústrias que trouxeram postos de trabalho
transformaram-se numa faca de dois gumes,
deixando atrás de si um legado de poluição e de
cancros que, segundo muitos residentes, foram
causados pelas emissões das fábricas de papel e
de outras indústrias pesadas.
Há alguns anos, os moradores de Africatown
ajudaram a impedir um plano para construir mais
um parque de contentores de petróleo, em fren-
te da Escola de Formação de Mobile County. Os


moradores também accionaram judicialmente a
International Paper por poluir o ar, o solo e a água
no decurso das suas operações e por se recusar
a limpar o solo poluído, o qual, no entender dos
moradores, continua a contaminar os aquíferos e
os ribeiros locais. Entretanto, a câmara de comér-
cio de Mobile procura atrair mais indústrias para
a região, promovendo-a como parte do Corredor
Químico da Costa do Golfo do Alabama.
“Planeiam construir uma ponte de 1,8 mil mi-
lhões de euros e retirar os túneis que estão debai-
xo do rio para que os superpetroleiros consigam
chegar cá”, diz Joe Womack. “A cidade não tem
cuidado da comunidade porque quer industria-
lizar esta zona. Só querem ganhar dinheiro. Mas
poderiam ganhar dinheiro com o turismo. Só te-
mos de reencaminhá-los na direcção certa.”
Joe Womack e os outros líderes da comuni-
dade afirmam que a descoberta do Clotilda deu
um impulso no sentido de sarar feridas antigas
e insuflar nova vida na zona. Outros esforços es-
tão a ser desenvolvidos para ligar de novo as co-
munidades ao rio e entre si. Os planos incluem a
proposta de um parque estadual na comunidade
vizinha de Prichard, cidade geminada com Oui-
dah, no Benin, desde 1986.
O Instituto Americano dos Arquitectos, a Or-
ganização Nacional dos Arquitectos de Minorias
e a Visit Mobile estão a patrocinar um concurso
internacional de design para projectar um novo
centro de acolhimento, uma escola renovada, um
museu e um parque ribeirinho onde poderia ser
construída uma réplica do Clotilda. E os funcio-
nários da Comissão Histórica do Alabama e do
Museu Nacional de História e Cultura Afro-Ame-
ricana, da Smithsonian Institution, sugeriram
que Africatown pode tornar-se um memorial na-
cional dos navios de escravos.
“Esta é uma parte fundamental da nossa his-
tória”, afirma Lorna Gail Woods, de 70 anos, his-
toriadora local e descendente de Charlie Lewis,
um dos fundadores de Africatown. “O Amistad e
o Titanic tiveram exposições itinerantes. Porque
não o Clotilda? Precisamos de dar alguma possi-
bilidade de resolução emocional a estas crianças.
Há aqui uma história importante que precisa de
ser contada ao mundo inteiro!”
Anderson Flen concorda. “Neste momento,
existe muito sofrimento no nosso país. Enquan-
to não tratarmos da essência da questão racial,
em vez dos seus aspectos superficiais, nunca
será possível sarar as feridas. Até resolvermos
o sofrimento.”
Free download pdf