Sabor Club - Edição 38 (2020-03)

(Antfer) #1

66 | Sabor. club [ ed. 38 ]


A SURPRESA NO BALCÃO do Kinoshita, o
restaurante japonês mais premiado de São Paulo e o
ex-templo do gran mestre Tsuyoshi Murakami, é quase
desconcertante. Positivamente desconcertante. Depois
de um longo caminho, que passa por um número
incontável de cursos, os meus olhos estão vidrados
nos mínimos detalhes da movimentação do Tadashi
Shiraishi, ex-pupilo do Murakami, que alçou voo com
as próprias asas, faz tempo.
Tento entender como ele passeia com tanto
talento pelas mais variadas influências e as aplica,
delicadamente, na essência da cozinha japonesa.
Algo aqui me parece muito claro: ele usa o conceito
fundamental da nouvelle cuisine, o de colocar todos

os sabores na sua boca num único prato, como base
fundamental. Com uma vantagem: por origem, ele
domina o umami, o tal quinto sabor, como poucos.
Enfim, a nossa boca vira palco para fogos de artifício, a
cada porção que o hashi leva pela ela.
Dá para entender porque eu usei a palavra
“desconcertante” no começo deste texto?
Para entender o Tadashi e o trabalho dele, no
entanto, eu precisei sentar e conversar com ele num
outro dia. Mas não sem antes pesquisar e descobrir
que o jovem de 33 anos, além de cozinheiro, é faixa
preta de karatê, guitarrista (e compositor), mestre
em caligrafia japonesa e fotógrafo de mão cheia. A
versatilidade tem tudo a ver com a formação deste

brasileiro nascido e criado com os mais rígidos padrões
japoneses, em todos os aspectos. E também com uma
inquietação que o transformou em quem ele é. “Eu não
falava português até os 7 anos. E quando ia para a rua
da minha casa, não conseguia me comunicar. E isso
me incomodava. Queria assimilar aquele mundo que
eu conhecia tão pouco. Por outro lado, ia às festinhas
japonesas e sabia de todos os detalhes, todos os rituais.
Agia como um nativo.”
Foram esses dois lados que levaram o Tadashi a se
abrir para as influências e “ver um mundo diferente”.
“Não demorou para que chegasse a conclusão mais
importante da minha vida: ‘mas, peraí, eu não sou tão
japonês assim!’. Isso me desenhou desde muito cedo.”

Em nenhum momento, porém, houve conflito
com a família. Os pais, sim, são durões e protetores.
Mas sempre fizeram questão de manter a porta de casa
aberta para o tanto que há do lado de fora.
E falavam ao pequeno Tadashi: “Está curioso? Viaja, vai
conhecer”. Então veio de tudo: Deep Purple,
Pink Floyd, Chopin, hip hop. E, claro, comidas das
etnias mais variadas.
Se um dia comia e aprendia a fazer macarrão, o
outro era dedicado aos clássicos nipônicos, que fazia
questão de compreender em detalhes como se faz, com
a mãe e avó, duas mestres. Foram nestes momentos
que, desde sempre, ele sabia que iria seguir a vida da
cozinha. E não no tatame ou no campo de beisebol.

“Eu não falava português até os 7 anos. E quando ia para a rua da minha casa, não conseguia me
comunicar. E isso me incomodava. Queria assimilar aquele mundo que eu conhecia tão pouco”

O balcão mais legal de Miami
“É divertido ir em lugares e fazer projetos”, diz o chef

Além do Kinoshita, Tadashi Shiraishi está comando do exclusivo Hidden, com
apenas 8 lugares, aclamado por público e crítica locais. O projeto nasceu fazem
três anos, com um amigo e também chef, muito a partir da inquietação que o move.
“Dentro de mim eu sei que preciso fazer várias coisas ao mesmo tempo.
Os projetos instigam a minha criatividade são também uma válvula de escape,
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