Sabor Club - Edição 38 (2020-03)

(Antfer) #1

“Eu acho que eu tive muita sorte de ter nascido
numa família que me deu oportunidades de escolher
até o colégio onde ia estudar. Acho que se eu tivesse
falado que queria ser astronauta eles teriam dado um
jeito. Mas eu já sabia que queria ser cozinheiro. Falava
isso e eles sempre brincavam porque eu era gordinho.”
Claro, não houve resistência quando a coisa ficou
séria e Tadashi foi de mala e cuia para o Japão. Chegou
procurando ser como um nativo e buscou trabalho
em restaurantes clássicos, onde foi tão bem que,
rapidamente, assumiu a posição de chefia da cozinha.
Tudo mudou quando a certeza de que não se
adaptava ao modo nipônico de viver gritou dentro
dele. Até que entrou para o time do Nobuyuki
Matsuhisa, o gênio por trás do Nobu, e acabou na
Grécia, como chef de uma das filiais do restaurante.
Como sabemos, o Nobu faz uma comida de fusão


e o estilo, de alguma forma, incomodava o brasileiro
tão bem formado na culinária tradicional japonesa.
O receio era querer ser autoral e fazer uma comida
cafona, confusa, sem sentido algum, como está
cansado de ver.
O mestre Nobu percebeu e puxou o Tadashi para
uma conversa ao pé do ouvido: “Olha, a gente chegou
em você pelo seu currículo em cozinha clássica, o que
significa que você sabe cozinhar, que já tem uma base
firme”. E continuou, olhando fundo nos olhos do
rapaz. “Imagina um compasso onde há a base japonesa
num ponto e todas as cozinhas no outro. Aí, você vai
até lá e, quando você achar que está confuso, pega essa
ponta e volta para esse seu sólido lado japonês. É nisso
em que nós confiamos.”
O papo, de fato, soou como uma sinfonia perfeita
para o jovem virtuoso: “Pô, ele conseguiu explicar tudo
e resolver o meu dilema de anos em dois minutos! Foi
ali que eu comecei a admirar o cara e ter a certeza de
que tinha feito a escolha certa”.


Não demorou para Tadashi entrar para o seleto
time que Nobu levou para Paris, onde está o hoje
estrelado Matsuhisa Paris, casa de experiências de
altíssimo nível, no elegante hotel Le Royal Monceau.
A guinada na vida do brasileiro foi inevitável.
Afinal, a estrutura fundamental da culinária francesa,
que ele passou a estudar a fundo, cruzou o caminho
dele. “Foi a experiência que mudou tudo para mim.
Eu nunca teria entendido qual é a importância de ter
uma base francesa. E hoje eu falo: com ela, você vai
fazer bem qualquer cozinha do mundo inteiro.”
Em minutos, Tadashi está, enfim, definindo a
cozinha que me desconcertou e tentei decifrar no
balcão do Kinoshita. “O que você comeu na sua visita,
tem muito do meu eu atual, reflete de verdade quem
eu sou hoje. Me instiga criar e buscar o que falta, seja
um contraste de ácido com doce ou com amargo; um

sabor a mais; uma textura inesperada...”
É curioso como, depois de ver várias fotos do
Tadashi, como algumas que ilustram esta reportagem,
ver como ele fotografa assim como cozinha.
É eclético – e ousado! –, sem deixar a sua essência
descarrilhar. “Eu brinco que invisto mais em lentes
do que em facas. Já fui o tipo de cara que você via na
avenida Paulista, com uma mochilona, um monte de
tripés e uma bandoleira com duas câmeras, deitado no
chão para captar uma cena.”
Na última viagem ao Japão, foi para lá só para
fotografar. “Em Kioto um cara me chamou de
debilóide porque estava chão tentando um ângulo
diferente de um templo. Cara, eu ouvi, levantei e
comecei a falar japonês com ele. O sujeito ficou super
sem graça, pediu desculpas e, veja só, disse que não
sabia que eu era japonês. E disse que não era mesmo.”

Kinoshita – Rua Jacques Felix, 405, Vila Nova Conceição,
São Paulo – SP. Tel.: (11) 3849-6940

“Hoje eu falo: com a base francesa, você vai fazer bem qualquer comida do mundo todo. Me instiga
buscar o que falta, seja um contraste de ácido com doce; um sabor a mais; uma textura...”
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