Elle - Portugal - Edição 378 (2020-03)

(Antfer) #1

38 ELLE PT


ESTILO


vai continuar, porque há outros que também vão voar. Para
a Vuitton, manter este espírito vivo é um grande desafio.
Uma vontade de partilha, de não ser uma torre de marfim
e de incentivar vários tipos de trocas.»
Ghesquière fomenta esta interatividade no seio do seu es-
túdio, onde tudo é diálogo, até com as modelos, que o criador
não hesita em consultar enquanto trabalha nas suas coleções.
O designer regressou à ideia da manequim da casa, como as
que havia antigamente nos salões de Yves Saint Laurent ou
de Azzedine Alaïa. Manequins fiéis a um só criador e que,
de certo modo, participam na cultura da casa. Na Vuitton,
há Oudey, de 22 anos, que criou a sua marca de roupa de
homem (Sainte Sévère). Klara, 27 anos, atriz e música, que
vai lançar um álbum em breve. Clémentine, 20 anos, que
vem da Bélgica e estuda fotografia em Tournai. Mariam, 21
anos, aluna de Engenharia na ESPCI (École Supérieure de
Physique et de Chimie Industrielles), a quem a equipa apelida
de “futura Marie Curie”. Ambar, 21 anos, descoberta pela
Louis Vuitton há três anos. E Krow, 23 anos, uma manequim
canadiana em transição, que vai lançar um documentário
sobre a sua transformação de mulher em homem no final
do ano. «Todas estas modelos têm exclusivos connosco. Eu
exijo que assim seja. Quero ser eu a apresentá-las. São perso-
nalidades genuínas que me seguem, que crescem aqui e são
parte importante da minha criação. Somos todos amigos.
A maior parte destas modelos ainda está a estudar, e esta exclu-
sividade permite-lhes continuar a fazê-lo com serenidade. É
uma espécie de incubadora de talentos que serve de contraponto
às normas estabelecidas. Estou a construir uma bela história

na Louis Vuitton. São todos mais ou menos francófonos ou
francófilos, e eu adoro a cultura francesa, especialmente a que
emana deste lugar em particular.»
Há seis anos, Ghesquière atravessava o rio Sena e entrava pela
porta deste edifício sobre o rio, colado a Pont-Neuf. Fala-nos do
seu encontro com Delphine Arnault, diretora-geral adjunta da
casa. Conta-nos, saboreando as palavras com orgulho – «Sim,
fui escolhido por ela» –, agradecendo-lhe o seu encorajamento
e o respeito que tem pelos criadores: «Pensamos em conjunto.
Há uma verdadeira cumplicidade entre nós. Chegámos quase
ao mesmo tempo à Louis Vuitton. Era uma nova aventura
para os dois. Trabalhámos muito para instalar novos códigos
na marroquinaria. E o trabalho compensou com o sucesso
de novas carteiras como a Twist, a City Steamer ou mesmo a
Dauphine. É muito gratificante.»
Desde então, já passaram várias estações, já se sucederam
muitas coleções. «O que espero é que o meu legado seja

Hoje, assiste com amizade aos desfiles de Natacha Ram-
say-Levy e de Julien Dossena. Lembra-se de Natacha, «muito
nova, tinha 19 anos e vinha fazer um estágio...» e de Julien, há
13 anos, reservado, mas com uma segurança que já era notória.
Criou o seu próprio grupo. As conversas entre criadores são,
para si, essenciais. «Eles vêm consultar-me, e eu a eles. Falamos
de coisas bastante técnicas, específicas, às vezes obsessivas ou
estratégicas. Também temos conversas sobre os perigos das
relações diplomáticas e políticas da moda e do luxo. Damos
segurança uns aos outros, encorajamo-nos, questionamo-nos,
adoramos o jogo da competição. Encontramo-nos, zanga-
mo-nos, reconciliamo-nos. Não há distância de segurança.
É uma rivalidade boa. E sim, é uma linguagem que só a nós
pertence e que me enche de felicidade. Esperei tanto tempo
por isto! É o que me faz feliz e sinto-me muito orgulhoso
quando os vejo exprimirem-se, avançarem, criarem o seu
próprio estilo. É uma bela dinâmica que, na minha opinião,

«ESPERO QUE O QUE PERMANECE DAS MINHAS COLEÇÕES,
AO LONGO DAS ESTAÇÕES, SEJA UM ESTILO.» NICOLAS GHESQUIÈRE

s

No telhado da Louis
Vuitton: Delphine
Arnault com
casaco em lã e botas
em pele, ambos
Louis Vuitton.
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