JornalValor--- Página 4 da edição"02/03/20202a CADA" ---- Impressa por LGerardi às 01/03/2020@22:20:
A
|Valor
|Sábado,29 de fevereiro, domingoe segunda-feira, 1 e 2 de marçode 2020
Brasil
Altarecentedainflação
interrompemelhora da
rendadostrabalhadores
BrunoVillasBôase
Thais Carrança
Do Rio e São Paulo
Ainflação maisalta dos últi-
mos mesescorroeupartedos sa-
láriosnesteiníciode ano.Aren-
da real habitualmenterecebida
pelos trabalhadores ficouestá-
vel no trimestre móvelde no-
vembroa janeiro,nacompara-
ção como mesmoperíododo
ano anterior, no valor de
R$ 2.361.A pausaocorreu após
quatromesesde ganhosreais,
ainda que modestos.
De acordo com economistas,a
estabilização recenteé explicada
em partepela aceleraçãodain-
flaçãonos últimosmeses do ano
passado, quandoos preços da
carne tiveramfortealta, refletin-
do amaior demandada China,
apósumapeste ter reduzidoo
plantelde suínosno país.Ain-
flaçãomedidapelo IPCAatingiu
4,19% em janeiro desteano,aci-
ma do centroda meta de infla-
ção para 2020(4%).
Aboa notíciaéque oimpacto
das preçosdas proteínas sobrea
inflaçãotem se confirmado co-
mo um eventotransitório. Em
fevereiro, a prévia da inflação
oficial, medida pelo IPCA-15,
mostrouumaquedade 5% do
preço das carnes.Aexpectativaé
que,neste mês,ainflaçãosiga
em desaceleraçãoe fecheo ano
próximade 3,20%.
Para aLCA Consultores,a ren-
da real de todosos trabalhosde-
ve encerrar 2020com cresci-
mentoreal de 1,5%,refletindo a
melhor composição do empre-
go. Para CosmoDonato, econo-
mistada LCA,esse crescimento,
ainda que relativamente modes-
to, vai refletira melhorada com-
posição do emprego de uma
maneira abrangente
“O trabalhopor contaprópria
começaarefletir cada vez menos
o empregoprecárioe maisessas
novasrelaçõesdetrabalho,como
aplicativos de transporte, que re-
muneram um pouco melhor”,
afirma Donato, para quemoren-
dimentotambémdevemostrar
algum crescimento neste ano
com arecuperação do emprego
comcarteiraassinada.
ParaThiagoXavier,daTendên-
cias, a rendadeve crescerna faixa
de 1% nesteano.Para ele, o incre-
mentonão será maiorpor causa
da lentarecuperaçãodaativida-
de econômica eda ociosidadeda
economia, que limitaopoderde
barganhade quemestá inserido
no mercado de trabalho. “Exis-
tem26milhõesdetrabalhadores
subutilizados”,lembraele.
Dadosdo boletim Salariôme-
tro,daFundaçãoInstitutodePes-
quisas Econômicas (Fipe),tam-
bémendossama faltade poder
de barganhanesteiníciode ano.
Apenas 25,2%das negociações
salariaiscoletivas resultaramem
ganhos reaispara os trabalhado-
resemjaneiro.
O InstitutoBrasileiro de Eco-
nomia da FundaçãoGetulio Var-
gas (Ibre/FGV) prevê aumento
maistímido da rendaem 2020,
deapenas0,7%."Osresultadosda
rendados últimosmesesjá mos-
travam algo tímido em relação à
recuperação, quandocompara-
dos aos últimosanos",diz Daniel
Duque,pesquisadordoIbre.
Apesarda estabilidade da ren-
da no iníciodesteano, amassa
salarialbrasileira (somadas ren-
das)cresceueatingiuR$ 217,
bilhões no trimestremóvelen-
cerradoem janeiro, 2,2%acima
domesmoperíododoanopassa-
do.Isso foi possível devido ao
maiornúmerodepessoasocupa-
das (empregados,empregadores
eservidores,porexemplo).
Dadosdivulgadosno fim da
semanapassada pelo IBGEmos-
traramque a taxa de desempre-
go nacional foi de 11,2%no tri-
mestre móvelaté janeiro,me-
lhor do que a medianados ana-
lista (11,3%)etambémque ore-
sultadode um ano antes(12%).
Mas os economistas avaliamque
essa surpresa se deveumaispelo
aumentoda inatividade(redu-
ção da buscapor emprego)do
que pela geraçãode vagas.
A populaçãofora da forçade
trabalho(que não estava empre-
gadanem procurandoemprego,
com 14 anosou maisde idade)
registrouaumento de 1,3%no
trimestremóvel até janeiro,com
873milpessoasindoparaainati-
vidade.Essecontingenteéumre-
cordepara apesquisadomiciliar
doIBGE,iniciadaem2012.
Segundo Adriana Beringuy,
analista do IBGE, asaída de pes-
soas para a inatividade neste iní-
cio de ano podeestar ligada àsa-
zonalidade do período. “Não é
um movimentoinédito, embora
tenha sido maisintenso neste
ano” disse aespecialista,acres-
centandoquepartedessesindiví-
duospode ter voltado a procurar
empregoemfevereirooumarço.
Ossetoresdecomércioetrans-
porteslideraramas contratações
no trimestre móvelaté janeiro,
aopassoqueaadministraçãopú-
blicae agricultura foramos que
mais dispensaram, de acordo
comosdadosdoIBGE.
Exportador deve ter ganho limitado com dólar valorizado
Lu Aiko Otta
De Brasília
Tendo muitas vezes atuado
comoalavancaparacatapultar
as exportações,odólar forteem
relaçãoao real chega,destavez,
nummomento em que o Brasil
tem poucoespaço paravender
seusprodutos.Estaé a leitura
feitanos escalões técnicos da
área econômica.
Oalastramentodosurtodeco-
ronavírustornaaindamaisdifí-
cil um quadroque já apontava
paraumademandainternacio-
nal deprimida. Na próxima se-
mana, ogovernodevedivulgar
uma novaestimativa para o cres-
cimento do Produto InternoBru-
to (PIB)desteano —odadoofi-
cial de 2019será divulgadode-
poisdeamanhãpeloIBGE.
Mesmoantesdocoronavírus,a
projeçãode crescimento parao
comércio internacional já era
modesta em 2020:1,6%,pouco
maisde metadedo observado
em 2018. Em 2019, as transações
comerciaisevoluírama1,2%.Pela
primeira vez uma taxa inferior à
docrescimentomundial.
Pesavam não só incertezas ge-
radas pela guerracomercialen-
treEstadosUnidoseChina,oBre-
xit (saída do ReinoUnido da
União Europeia) e aescaladade
medidas protecionistas adota-
das desde 2008.Aperda de força
do comérciose devetambém ao
fato de a Chinaestarmudando
seu modelo de crescimentoeco-
nômico, colocandomaisfoco no
mercadointerno.
Assim,a avaliaçãoéque os ex-
portadores poderão ter vanta-
gem com o dólarmaiscaro, mas
numa magnitudemenordo que
ocorrerianum cenário de de-
manda globalaquecida.
Por outrolado, o real fracoen-
carece a importaçãode máqui-
nas. Ou seja,atuacontraa mo-
dernização do parqueprodutivo
nacional.
“Os efeitossão heterogêneos”,
afirmou ogerente-executivo de
assuntos internacionaisda Con-
federaçãoNacionalda Indústria
(CNI), DiegoBonomo.
ConjunturaEconomistastememincertezapolíticamaisquecoronavírus
Epidemia tem impacto inicial
deflacionário sobre o Brasil
AnaïsFernandes, AnaConceição
e AríciaMartins
De São Paulo
Apesarde adepreciaçãodo
real em relaçãoao dólarter se in-
tensificado nos últimosdias, em
meioàaversãogeneralizadaa
risco no mundopor causado co-
ronavírus, especialistas dizem
que o efeitolíquidodesse movi-
mentono Brasilé, ao menosno
curtoprazo, deflacionário.Ore-
passecambialélimitado pela
quedanos preçosem dólar das
commoditiese pelaociosidade
daeconomiaelevada,afirmam.
Casoadoençagerechoquesde
oferta global em prazos mais
longos, osaldo podeser inflacio-
nário. Mas, por enquanto,esse
não é ocenário-basedos analis-
tas ouvidospeloValor, que,no
geral,trabalham com um impac-
to econômico da epidemiamais
concentradonoprimeirotrimes-
tre desteano. Os economistas se
mostrammaispreocupados com
as consequênciasde umadete-
rioraçãoda situaçãopolíticana-
cional, marcadarecentemente
peloembateentreo presidente
JairBolsonaroeoCongresso.
No ano até 21 de fevereiro(úl-
timodia útil antesdo Carnaval),
odólar comercialjá acumulava
alta de 10% ante o real. Aindaas-
sim, a medianadas projeçõesfe-
chada pelo boletimFocus, do
BancoCentral,naquelediaapon-
tava corteno ÍndiceNacionalde
Preços ao Consumidor Amplo
(IPCA) em 2020, de 3,47%nas
quatro semanasanteriorespara
3,20%. Já aprevisãoparaocâm-
bio no fim do anosubiu de
R$4,10paraR$4,15.Nasexta-fei-
ra, o dólarcomercial fechoua
R$4,48,altade12%em2020.
“O coronavírustem dois efei-
tos imediatos.Um é reduziro
preçodas commodities em dó-
lar. O outrofoi deixar o câmbio
maisdesvalorizado. Em marçoe
no curtoprazo, o entendimento
équevaipreponderarabaixadas
commodities”,diz FábioRomão,
economistada LCA Consultores.
Ele destacaefeitosbaixistas para
commodities metálicaseenergé-
ticas e cita novareduçãoanun-
ciadapelaPetrobrasparaosvalo-
res da gasolina edo dieselnas re-
finarias,o que reforçaria seu ar-
gumento.Oeconomistarevisou
sua previsão parao IGP-Mde
março,de0,40%para0,17%.
Alémda quedano preçodas
commodities,aMCM Consulto-
resavaliaqueumchoquedeofer-
tatenderiaaficarrestritoacertos
bens duráveis, caracterizados
por demandaelástica(que dimi-
nui conforme opreço aumenta)
epesorelativamentepequenono
IPCA, comocelulares,computa-
doreseeletroeletrônicos.
“Isoladamente, adesvaloriza-
ção importantedo real não tem
caráterdeflacionário.Mas, quan-
do vocêolha o fenômenocomo
um todo, em termos líquidos,a
tendênciaé ser maisdeflacioná-
rio”,dizMauroSchneider,econo-
mistadaMCM.“Semminimizaro
lado da oferta,porque há parali-
sação de setores na Chinae pes-
soassofremcomisso,masacredi-
tamos que não compensa o
maiorefeitosobreademanda.”
Ochoquemaisimediatosobre
a demandaé nas commodities
porquea Chinaé o maiorconsu-
midor do mundo, eoBrasil,um
importanteexportador, mas po-
de não se restringiraos itensbá-
sicos, segundoSchneider. “Natu-
ralmente,agente perderenda,o
que leva oconsumo agregado do
país aperder força.Depois,tem a
incerteza,que colocaum freio
sobre investimentos,decisões de
consumoe, dependendoda du-
raçãodo fenômeno, podeafetar
alucratividadedasempresas.En-
tão,das commodities, segmento
relevanteparaesses canaisde
confiançaeperdade renda,o
efeitovaiseespalhandopelaeco-
nomia”, ele explica, ponderando
queessenãoéocenáriodaMCM.
Flávio Serrano,economista-
chefe do bancoHaitong,diz que
adepreciação cambialpode en-
carecer por aquiprodutospri-
máriosque tenhampreçosfor-
mados no exteriorcomogrãose
químicos,mas tambémdiz não
ver a alta se espalhandopela ces-
ta de produtosdos brasileiros.
Serranoponderaque,para haver
talimpactonainflação,ocâmbio
teria de ficar nos atuaisníveis,de
R$4,50,pormaistempo.
A elevadacapacidadeociosa
na economiaeodesemprego al-
totambémdesestimulamreajus-
tesdepreços,mesmoquehajaal-
gumapressão no atacado, diz
AndréBraz,coordenadordo IPC
do InstitutoBrasileirode Econo-
mia da Fundação GetulioVargas
(Ibre-FGV).Em sua avaliação,a
queda dos preços ao produtor,
que foi de 0,19%em fevereiro
dentrodoIGP-M,deveserreverti-
danocurtoprazo,masaperspec-
tiva para os preçosno varejoain-
daébastantefavorável.
Romão, da LCA,lembra que,
em 2018, quando odólar subiu
17% ante oreal, o IPA-industrial
cresceu 9,16%, enquantoa infla-
ção dos bens industriaisno vare-
jo,pelo IPCA,avançouapenas
1,12%. Em 2019,esse “gap” dimi-
nuiu,mas foi relevante:alta de
7,13% do IPA-industrial ante
1,67% do IPCAde bensindus-
triais. “O espaçode repasse cam-
bial no varejo aindaé limitado”,
afirma. E, se o coronavírusafetar
de formamaisdisseminada pro-
jeçõesparaocrescimentobrasi-
leirodesteano,“o espaçoparare-
passeserámenorainda”, afirma.
O cenário de inflaçãocontro-
lada,mesmocom ocoronavírus,
podeser abaladose houverdete-
rioração maisfortedas perspec-
tivaspolíticasno Brasil.Para a
MCM,casoasrecorrentestensões
entre ExecutivoeLegislativopro-
voquema paralisaçãodas refor-
mas, a taxa de câmbio voltaráa
serpressionadae,semacompen-
sação da queda nos preçosdas
commodities,pode ameaçar a
ancoragemdasexpectativas.
Esse não é o cenário-base da
MCM, e SergioVale, economista-
chefedaMBAssociados,também
diz que,comoem outrosmo-
mentos,espera-seumaconcilia-
ção entreos dois Poderes.Passa-
dooefeitodocoronavírus,seasi-
tuaçãopolíticapiorar, porém,o
dólar poderia chegar aR$ 5“sem
dificuldades”, diz. “Neste caso,
poderia haver impacto na infla-
ção, eoBanco Central teriaque
repensartaxadejuros.”
Fonte: ValorPRO
Efeitocoronavírus
Dólarsobe,maseconomistasnão veempressãoinflacionária
3,
3,
3,
4,
4,
2/jan/
2018
13/set
2018
22/jul
2019
28/fev
2020
4,
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4,
3,
FábioRomão:na queda de braço entre câmbiodesvalorizado e preçosde commoditiesem baixa, efeito líquidoda epidemiapara o Brasil é deflacionário
SILVIA COSTANTI/VALOR
Fonte:IBGEDevagarRendado trabalhoestabilizouno trimestremóvelde janeiro-0,0,0,1,1,2,2,Nov-dez-jan/2018Abr-mai-jun/2018Mar-abr-mai/2019Nov-dez-jan/2020Variaçãorealda renda,frenteao mesmoperíododo anoanterior- Em %1,2,- 0,3 0,
Há, segundo o especialista,ga-
nho de competitividade parao
exportador, principalmente
aqueleque temsua produção
verticalizada,nãodependedein-
sumos importadose é intensivo
de mãode obra.Porexemplo,
calçadose móveis. Já para os que
utilizaminsumosimportados e
estãoem cadeiasglobaisde pro-
dução, comoo de eletroeletrôni-
cos, automotivo eaeronáutico,o
efeitoénegativo.
Mesmodentro de um mesmo
setor, os impactossão diferentes.
Para o setor têxtil, há aumentonos
custos, pois perto de 70% dos insu-
mos são direta ou indiretamente
impactados pelo dólar, informou
opresidente da AssociaçãoBrasi-
leira da Indústria Têxtil ede Ves-
tuário(Abit),FernandoPimentel.
Já no segmentode confecções,
maisverticalizado, o impactodo
dólarcaropodeser ganhode
competitividade.
Para as exportaçõesde grão, o
efeitoé positivo. “O dólaralto,de
certaforma,acabasendobenéfi-
co parao produtorque ainda
tem grãosa vender”, disseo pre-
sidenteda Amaggi, JudineyCar-
valho. “Afinal,são commodities
negociadasem dólare partedos
custosdoprodutoréemreal.”
Demandainternacional
reprimidajá estava
noscálculos dogoverno
antesdeo coronavírus
terviradorealidade
Até asemana passada,os efei-
tos do coronavírusaindanão
eramsentidos nos negóciosda
Amaggi. “Os embarquesparaa
China continuamnormais”, in-
formouo presidente. “Mas cada
dia éum dia.”Em janeiro, quan-
do aChinarevelouos primeiros
casosde coronavírus,as vendas
geraisbrasileirasparaopaísasiá-
tico recuaram 8,8% na compara-
ção comomesmoperíodode
2019,paraUS$3,5bilhões.
Para Pimentel e Bonomo, a co-
taçãoda moeda americanano
Brasilestá em um novopatamar.
Há uma certa“gordura” por cau-
sa do coronavírus,mas acotação
se estabeleceu poucoacimados
R$ 4,00 por causado novonível
da taxa de jurosno país. Reduzi-
da, ela deixoude atraircapital
financeiro de curtoprazo.
Nempor isso,há expectativa
de as vendasparao exteriordis-
pararem. “De 2002paracá, nos-
sa relaçãocom o mundomudou
bastante”, comentou Pimentel.
“Estamosmaisintegrados,mes-
mo sem termos fechadograndes
acordos comerciais.”
“A competitividade da indús-
tria não se resolve via câmbio”,
afirmouBonomo. A aprovação
de reformas, principalmentea
tributária,é que,segundoele,
melhoraráas condições de pro-
duçãono Brasil.
Pimentel cita estudo elabora-
do pelo MovimentoBrasil Com-
petitivo que estima em R$ 1,5 tri-
lhão o chamado “custo Brasil”.
Nele,estãoincluídosopesodoju-
ro e o do câmbio, dois preçosim-
portantesque levaramaindús-
triaaperderterrenonaeconomia
brasileira. “Os preços na econo-
mia, mais ajuizados, podem aju-
daradesbastarocustoBrasil.” No
entanto, afirma, épreciso agir so-
bre os demaisitens que prejudi-
camacompetitividade.
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