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A12 Política QUARTA-FEIRA, 4 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO
ROSÂNGELA
BITTAR
À
falta de um presidente que
respeite a sociedade e com-
preenda a natureza de sua
função, o Brasil precisa muito de um
ministro da Justiça. Autêntico, da-
queles que cuidam dos assuntos do
equilíbrio político, econômico e so-
cial do povo e das instituições que o
governam. E, no caso de acumular a
Segurança Pública, cuide do ambien-
te da criminalidade descontrolada e
impune em todos os grupos, inclusi-
ve o policial, sob seu comando.
Porém, o atual ministro da Justi-
ça e Segurança Pública, Sérgio Mo-
ro, vai lapidando seu perfil político
apenas com o culto à personalida-
de, como se tivesse vindo ao governo
só para ser homenageado. A sua arma
principal de ação no Executivo é a po-
pularidade que brande ao menor sinal
de crítica. Ela lhe dá direito a erros
sucessivos e o último foi exemplar.
Na crise de segurança com o motim
da Polícia Militar do Ceará, mostrou-
se perdido e contraditório. Nunca Mo-
ro foi menos ministro da Justiça do
que nesse labirinto em que se meteu.
Foi ao local, mas disse não ter visto
descontrole onde tinham sido assassi-
nados 240 cidadãos, um recorde. A se-
guir, fez uma distinção que até agora
carece de exegese: o motim é ilegal,
mas os policiais não são criminosos.
Quando juiz em Curitiba, era mais pre-
ciso nas tipificações.
Não providenciou a prorrogação da
medida de Garantia da Lei e da Or-
dem (GLO), era sua função conven-
cer o presidente a despolitizar a ques-
tão e manter o apoio ao Estado gover-
nado pelo PT. Ao contrário, recrudes-
ceu: quando governadores ameaça-
ram suprir a tarefa do governo fede-
ral, o ministro da Justiça acusou-os de
politizar a movimentação. Já ultrapo-
litizada pelo governo federal.
Os amotinados foram líderes da
campanha de Bolsonaro no Estado. O
coronel que Moro enviou para chefiar
seus homens da Força Nacional é su-
bordinado ao general cearense secre-
tário da Segurança Pública do Ministé-
rio da Justiça. O mesmo que, candida-
to ao governo cearense, disputou e
perdeu a eleição para o atual governa-
dor em apuros. O coronel elogiou, em
assembleia de amotinados, a coragem
dos revoltosos, numa aprovação reve-
rente aos grevistas armados. Isso de-
ve ser científico, e não político, no con-
ceito Moro de administração.
E, para encerrar, uma troca de insul-
tos com o ex-governador do Ceará Ci-
ro Gomes, cujo irmão, senador e ex-go-
vernador Cid Gomes, foi baleado no
confronto. A retórica dos Gomes é co-
nhecida, um ministro fazer duelo ver-
bal de baixo nível sobre ação de sua
pasta, não. Só com a popularidade no
coldre, Moro enfrenta o presidente, o
Congresso, o Supremo, os governado-
res. Não aceita decisões e mobiliza um
poder contra o outro para modificá-
las a seu gosto.
A figura do juiz de garantias é outro
exemplo clássico: não conseguindo su-
primi-la pelo veto do presidente, cor-
reu por fora e foi salvo por manobra
expressa de um ministro do Supremo
com quem tinha ligação anterior, com
firma reconhecida: “In Fux we trust”.
O juiz de garantias é importante no
sistema jurídico, mas uma questão
pessoal para Moro e sua corpora-
ção, que refutam qualquer tipo de
revisão e controle.
Para corrupção no governo e
ameaças à integridade constitucio-
nal, fatores muito presentes no pri-
meiro ano de mandato, não há minis-
tro da Justiça. Moro está se perden-
do pela autossuficiência, diz uma au-
toridade. Ou pela arrogância dos for-
tes, quem sabe. O apoio incondicio-
nal dos militares deixa o ministro à
vontade. Moro foi salvo da demis-
são, duas vezes, pelos generais (Fer-
nando Azevedo (Defesa), Augusto
Heleno (GSI) e Luiz Ramos (Gover-
no). A aversão ao PT e a Lula os une
no apoio irrestrito ao ministro juiz.
O presidente vive o dilema insolú-
vel de ter um ministro, de quem des-
confia, irremovível. Moro sabe dis-
so e parece disposto a manter o jogo.
Não há bola de cristal que projete
Bolsonaro dormindo com o inimigo
num eventual segundo mandato.
Tulio Kruse
Pedro Caramuru
Em uma votação marcada pe-
lo confronto entre manifes-
tantes e a polícia nos corredo-
res da Assembleia Legislativa
de São Paulo, deputados esta-
duais aprovaram, por 59 vo-
tos a 32, o segundo turno da
reforma da Previdência pau-
lista. Servidores que protesta-
vam contra o projeto enviado
à Casa pelo governador João
Doria (PSDB) tentaram inva-
dir as galerias do plenário e fo-
ram barrados pela Tropa de
Choque da Polícia Militar,
que estava dentro do prédio.
Embora a proposta tenha dei-
xado de fora os policiais milita-
res, a aprovação do texto foi vis-
ta como uma vitória do governa-
dor Doria. Com as novas regras,
o governo calcula que vai econo-
mizar o equivalente a 9,3% do
valor gasto com aposentado-
rias de servidores estaduais to-
do ano (mais informações nesta
página). A Assembleia ainda de-
ve votar, hoje de manhã, um pro-
jeto de lei complementar para
definir alíquotas de pagamen-
tos. O governo propôs uma co-
brança única de 14% – a taxa
atual é de 11%. Oposição e depu-
tados independentes pressio-
nam por cobranças progressi-
vas, de acordo com a faixa sala-
rial do servidor.
Assim como ocorreu na pri-
meira votação, o placar ficou
pouco acima do limite de 56 vo-
tos para aprovar uma mudança
na Constituição estadual. Em
18 de fevereiro, no primeiro tur-
no, o resultado foi 57 a 31. O de-
putado Coronel Nishikawa
(PSL), que havia votado contra
a proposta em fevereiro, mu-
dou de ideia. Tenente Coimbra
(PSL), que não tinha votado,
agora foi a favor.
A PEC estabelece uma idade
mínima para aposentadoria (de
62 anos para mulheres e 65 para
os homens), acaba com o recebi-
mento de adicionais por tempo
de serviço e proíbe a acumula-
ção de vantagens temporárias –
como o recebimento de valores
adicionais na aposentadoria
por ter exercido cargos de che-
fia no serviço público. Para pro-
fessores, a idade mínima de apo-
sentadoria agora é de 51 anos pa-
ra mulheres e 56 para homens.
Policiais civis e agente peniten-
ciários devem ser aposentar a
partir dos 55 anos.
Após a convocação de uma
sessão extraordinária para as
9h de ontem, deputados da opo-
sição chamaram servidores es-
taduais para comparecer à Casa
uma hora antes e protestar con-
tra a aprovação do projeto. As
sessões extraordinárias costu-
mam ser realizadas à noite.
O presidente da Assembleia,
Cauê Macris (PSDB), tentou,
ao máximo, evitar a suspensão
da sessão, que seguiu mesmo
com a atuação da Polícia Militar
para forçar a saída de manifes-
tantes. Por volta das 10h, um
grupo tentou arrombar uma
das portas de acesso às galerias,
que estavam fechadas, e a PM
reagiu com gás de pimenta. Ob-
jetos como latas de desodoran-
te e lixeiras de metal foram arre-
messados contra os policiais.
Um dos manifestantes abriu
um hidrante no corredor da Ca-
sa, encharcando o chão. Mais
tarde, deputados reclamaram
da falta de água nos banheiros.
No plenário, Macris disse que
manifestantes quebraram ca-
nos, portas e quadros. O hall de
entrada teve vidros quebrados.
A Tropa de Choque montou
barreiras nos corredores de
acesso ao plenário. Para tentar
dispersar manifestantes na
frente do prédio, a polícia jogou
bombas de efeito moral. Um ser-
vidor foi atingido por bala de
borracha na região dos olhos.
Apesar de algumas pessoas dei-
xarem o local após a votação da
PEC, a confusão ainda continua-
va por volta das 13h.
No plenário, a oposição criti-
cou a postura do presidente da
Alesp, e chegou a dizer que a pre-
sença da Tropa de Choque teria
provocado a confusão. “Essa si-
tuação toda foi provocada pela
postura autoritária, o comporta-
mento até infantilizado do pre-
sidente da Assembleia, que cha-
mou a Tropa de Choque para
ficar aqui dentro”, disse o líder
do PSOL, deputado Carlos
Giannazi. “Quando ele coloca a
Tropa de Choque dentro da As-
sembleia, ele provoca isso.”
Direito. Sobre as acusações,
Macris afirmou que a crítica “é
natural do calor do processo”.
“Minha luta foi para garantir o
direito, seja da oposição, seja da
situação, de se manifestar. Se a
gente nãsso garantir esse direi-
to, a gente não cumpre o papel
democrático correto.” Segun-
do ele, o tumulto foi provocado
por “black blocs” infiltrados en-
tre servidores estaduais.
“(Essa confusão) é uma escala-
da de quem? Só se for dos mani-
festantes que estão lá fora ten-
tando invadir”, disse o relator
da reforma, deputado Heni Ozi
Cukier (Novo). “Se a polícia
não agir, não proteger, isso aqui
vai perder totalmente o senso.”
E-MAIL: [email protected]
ROSÂNGELA BITTAR ESCREVE SEMANALMENTE ÀS
QUARTAS-FEIRAS
Sérgio Moro vai lapidando
seu perfil político apenas
com o culto à personalidade
PRINCIPAIS PONTOS DA REFORMA
Assembleia aprova Previdência em SP
Em votação marcada por confronto entre manifestantes e policiais, projeto passa em segundo turno e dá vitória a governador João Doria
Idade
mínima
Regra de
transição
Tempo de
serviço
Vantagens
temporárias
55 anos (mulheres) e 60
anos (homens)
Não havia
Adicionais são pagos a
cada cinco e 20 anos de
serviço
Servidores em cargos se
confiança ou comissão
podem acrescentar à
aposentadoria, por ano,
10% do valor equivalente
à diferença entre seu
salário original e o valor
pago com a promoção
62 anos (mulheres
65 anos (homens)
Estar há cinco
anos no mesmo
nível quando pedir
a aposentadoria
Adicional por
tempo de serviço
é extinto
Proibida qualquer
incorporação
de vantagens
na aposentadoria
de servidores, que
sejam fruto de
situação temporária
de trabalho
A arrogância dos fortes
A
aprovação da reforma da Previdência
paulista em segundo turno, depois de
muito conflito envolvendo manifes-
tantes e força policial, representou uma vi-
tória para as pretensões do governo João
Doria em relação ao equilíbrio fiscal do Es-
tado e o respectivo aumento da capacidade
de investimento governamental em políti-
cas públicas no longo prazo. Por outro lado,
como vem acontecendo em outras assem-
bleias legislativas em votações de suas refor-
mas previdenciárias, assim como também
já foi registrado na discussão no âmbito fe-
deral, o processo de votação na Alesp aca-
bou escancarando a atual incapacidade dos
políticos de fazerem o que é a essência da
política democrática: conversar, negociar,
construir acordos e reduzir dissensos.
Ao que parece, a intenção do governo esta-
dual em economizar R$ 58 bilhões em 15
anos (R$ 32 bilhões num prazo de 10 anos)
foi garantida com essa aprovação. Todavia,
como também vem ocorrendo em outras re-
formas, inclusive as já aprovadas por alguns
governos oposicionistas, o sacrifício impos-
to acabou sendo desigual na medida em que
algumas categorias mais organizadas em ter-
mos corporativos, como os militares, acaba-
ram ficando de fora do ímpeto reformista.
Convém ainda lembrar que a aprovação da
reforma paulista foi cercada de um ambiente
violento. Isso se deve também, e muito, ao
processo de como ela foi conduzida desde a
sua primeira tentativa de aprovação em de-
zembro de 2019 até a votação final ocorrida
ontem. O cenário foi o de parlamentares fa-
zendo ameaças de agressão entre eles, imitan-
do sinais de socos e de armas, inviabilizando
não apenas o debate, mas impossibilitando o
encaminhamento de acordos com atitudes
que nem a falta de decoro dá conta de qualifi-
car. A pergunta que fica é: haverá punição pa-
ra parlamentares que tumultuaram e impedi-
ram os debates? O exemplo dado pelos depu-
tados também conta para a democracia.
]
CIENTISTA POLÍTICO E PROFESSOR DO DEPARTAMEN-
TO DE GESTÃO PÚBLICA DA FGV-SP
lO governo do Estado estima
que um total de R$ 32 bilhões
sejam economizados em dez
anos – nesse período, o valor to-
tal gasto com seguridade social
no Estado seria de ao menos R$
343 bilhões, de acordo com da-
dos do governo.
Por ano, o valor economizado
representa cerca de 1,3% do Or-
çamento estadual, que em 2020
tem previsão de R$ 239 bilhões
em despesas.
Em nota, o governo de São Pau-
lo disse que “a reforma é essen-
cial para a sustentabilidade finan-
ceira dos recursos públicos e a
recuperação da capacidade de
investimento do Estado”.
Ao parabenizar os deputados,
o governador João Doria afir-
mou, em seu Twitter, que o “gas-
to com a previdência em SP já é
maior que o orçamento da saúde,
segurança e educação”. / T.K.
TULIO KRUSE/ESTADÃO
Corredor. Tropa de Choque fez bloqueio dentro do prédio
NA WEB
TV Estadão.
Briga e tumulto
na Alesp
estadao.com.br/e/tumultonaalesp
6
TABA BENEDICTO / ESTADÃO
Tumulto. PMs atiraram bombas de efeito moral e usaram balas de borracha para dispersar manifestantes na Assembleia
Como é Como fica
]
ANÁLISE: Marco Antonio Teixeira
Aprovação escancara
incapacidade de se
construir diálogos
Economia prevista
é de R$ 32 bilhões