National Geographic - Portugal - Edição 228 (2020-03)

(Antfer) #1

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“A procura está a aumentar”, afirmou Detlev.
“Nunca será possível satisfazê-la apenas com ma-
teriais reciclados.” A economia circular vai preci-
sar de outras estratégias.


Vestuário


O EMBLEMA da Fundação Ellen MacArthur, um
conjunto de círculos encaixados uns nos outros,
via-se na camisola de capuz de Dame Ellen no dia
em que me encontrei com ela na sede da fundação,
na ilha de Wight. Em 2005, com 28 anos, ela termi-
nou a sua volta ao mundo a bordo de um catamarã
de 23 metros. Demorara um pouco mais de 71 dias
para completar essa navegação solitária. Carregara
a bordo alimentos para 72 dias. Enfrentara tempes-
tades ao largo da Antárctida e reparara um gerador
avariado. Regressara a casa, com uma consciência
visceral da escassez de recursos.
“Por que razão não havia ninguém a falar sobre
o assunto?”, perguntou a si mesma. Abandonou as
regatas de competição e fundou uma organização
que tem feito mais do que qualquer outra para
promover a economia circular, recorrendo a um
leque hierarquizado de estratégias (ver diagrama
na página 25). A melhor é a mais simples: gastar
menos bens, mantendo-os a uso.
Essa escolha afecta muitas pessoas de forma
mais aguda nos seus guarda-roupas. Entre 2000
e 2015, enquanto a população mundial crescia
20%, a produção de vestuário duplicou, devido
ao crescimento explosivo da “moda rápida”. Com
tanta abundância de roupa barata, cada artigo foi
vestido, em média, menos um terço das vezes em



  1. Nesse ano, o mundo deitou fora mais de 410
    mil milhões de euros em roupa.
    Jorik Boer ganha a vida a recuperar alguma
    dessa roupa como responsável pelo Grupo Boer,
    uma empresa familiar holandesa que nasceu há
    um século nas ruas de Roterdão, com o seu bisa-
    vô a recolher restos de roupa, metal e papel numa
    carroça. Hoje em dia, a partir da sede, em Dor-
    drecht, Jorik gere cinco fábricas nos Países Bai-
    xos, Bélgica, França e Alemanha. No total, proce-
    de à recolha triagem e revenda para reutilização
    ou reciclagem de 460 toneladas de roupa deitada
    fora todos os dias.
    Os consumidores têm uma ideia errada sobre o
    que acontece quando deitam roupa fora num con-
    tentor de doação, afirmou Jorik Boer. Pensam que
    as roupas são directamente doadas a pessoas ca-


renciadas. No entanto, aquilo que habitualmente
sucede é empresas como a Boer comprarem as
roupas doadas, fazerem a triagem e revenderem-
-na em todo o mundo.
“É preciso muita experiência para saber onde
se pode vender e reutilizar uma peça de vestuá-
rio”, afirmou. Através da janela atrás dele, eu
conseguia vislumbrar os movimentos rápidos,
mas experientes, de mulheres retirando peças de
roupas das correias transportadoras, examinan-
do cada artigo por breves instantes, revirando-o
e deitando-o para um de cerca de sessenta sacos.
Cada mulher procede à triagem de cerca de três
toneladas por dia, afirmou Jorik Boer. Na triagem,
todas as operadoras precisam de ter bom olho
para a moda, sobretudo porque as melhores pe-
ças representam apenas 5 a 10% do total, de onde
provêm os maiores lucros da empresa. Na Rússia
e na Europa de Leste, artigos valiosos como a rou-
pa interior feminina chegam a render cinco euros
por quilograma. A maior parte do material de qua-
lidade inferior é despachada em fardos de 55 qui-
logramas para África, onde a venda atinge valores
que podem descer a 50 cêntimos por quilograma.
A certa altura, Jorik examinou o meu casaco
desportivo cinzento, em relação ao qual me sen-
tia bastante confiante: ele não conseguia ver as
manchas de tinta no bolso interior. “Não conse-
guiríamos vender o seu casaco em lado nenhum”,
disse, com boa disposição. “Ninguém no mundo
quereria comprá-lo.” Boer contou-me que teria de
pagar a alguém para levar aquela minha peça de
vestuário fora de moda.
Mas eles compram roupa interior usada? Senti-
-me incomodado.
“Isso é roupa interior usada limpa”, respondeu
Boer. Por norma, as pessoas não doam roupa suja.
Actualmente, ele recebe mais vestuário do que
consegue gerir, sobretudo da Alemanha, de onde
provêm 75% das peças que aproveita. Não conse-
gue contratar trabalhadores qualificados em nú-
mero suficiente. A maior preocupação da família
Boer é a velocidade com que o vestuário muda.
Neste momento, a empresa consegue revender
60% daquilo que recolhe. As peças de vestuário
que se mantêm a uso e voltam a ser usadas são
melhores para o planeta (pois o material e a ener-
gia gastos no seu fabrico não têm de ser substituí-
dos) e também para a Boer.
Os restantes 40%, as roupas que ninguém quer,
são reciclados como panos de limpeza ou tritura-
dos para fabrico de material de isolamento ou en-
chimento de colchões. Parte é incinerada. A frac-
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