Valor - Eu & Fim de Semana (2020-03-06)

(Antfer) #1
Sexta-feira,6demarçode2020| Valor| 33

É TUDOVERDADE


Maureene


Escorel:


ressonâncias


Doisdosmaioresartistas


dafotografiabrasileira


lançamdocumentáriosde


pegadaautobiográfica: o


filmedelaé umfluxo de


memórias,abraçando


vidae obra, enquanto


umadimensão


autorreflexiva pontuao


segundo.


PorAmirLabaki


“Fotografação”, deLauro Escorel,sobrepõeà suadimensãoautorreflexiva umapesquisa históricae socialdafotografianopaís

Sombraminha.AssimMáriode An-
drade(1893-1945)informalmente in-
titulouo maiscélebreautorretrato
que captoucom sua “codaque”, em ja-
neirode 1928,na fazendade SantaTe-
reza do Alto, de Tarsila do Amaral
(1886-1973). Tambémesse poderiaser
o título, ou ao menoso subtítulo, de
dois documentáriosde pegada auto-
biográficaque acabamde lançardois
dos maioresartistasda fotografia bra-
sileira—afotógrafae documentarista
MaureenBisilliate o diretorde foto-
grafiae cineastaLauroEscorel.
Maureenbatizouseufilmede“Equi-
valências-AprenderVivendo”, jádis-
ponívelemDVDdoInstitutoMoreira
Salles(IMS).“Fotografação”,empres-
tandootermocunhadotambémpor
MáriodeAndrade,éotítulodofilmede
Escorel,emcartazdesdeasemanapas-
sada,apósapré-estreiacomoprogra-
maespecialdoÉTudoVerdade2019.
Entreinúmerasconvergênciasentre
osprojetos,destaca-seofatodeages-
taçãodeambosteroriginadoobraspa-
ralelasautônomas.NocasodeMaure-
enBisilliat,estáemcartazaté5de
abril,noIMS-SP,asériedeinstalações
“AgoraouNunca-Devolução”, comco-
curadoriadeRachelRezende.Noano
passado,porsuavez,Escorellançouno
CanalBrasilsuasériedecincoepisó-
diossobreahistóriadafotografiabra-
sileira,“ItineráriosdoOlhar”, disponí-
velpeloCanalBrasilPlay.
“Equivalências”e“Fotografação” ir-
manam-sena revisitados próprios
percursosartísticos,mas assumemes-
tilos absolutamentedistintos.O filme
de Maureen é um fluxode memórias,
abraçando vida e obra,do nascimento
na Inglaterrapassandopelas andan-
ças pelo mundonos anosde formação
até a fixaçãono Brasilcom o desenvol-

vimentode uma extraordináriacarrei-
ra fotográfica —bem definida por Ra-
chel,no textode aberturada exposi-
ção, comoo da revelaçãode “um certo
Brasil,atemporale profundo, sobretu-
do o dos indígenase do sertanejo”.
Napróprianarraçãodeseudocumen-
tário,Escorelexplicaqueopontodepar-
tidafoitersedado“contadaligaçãoque
secriaraentreomeutrabalhocomofo-
tógrafodecinemaeotrabalhodefotó-
grafosqueatuaramnoBrasilentremea-
dosdoséculoXIXemeadosdoséculo
XX”.Essadimensãoautorreflexiva,con-
tudo,apenaspontuaofilme,sobrepon-
do-segenerosamenteaelaapesquisa
históricaesocialdafotografianopaís.
Assim,Maureennosofertareencon-
troscompessoaselugaresquemarca-
ramsuatrajetória,numacronologia
maissentimentaldoquebiográfica.En-
treoutros,ei-lacomAnnBagley,acolega
dosestudosdeartesnajuventude,na
SãoPauloeNovaYorkdosanos1950;
comoescultorbaianoMarioCravo
(1923-2018),umdosguiasqueresultou
nasériereunidaem“BahiaAmadaAma-
do”;ecomojornalistaAudálioDantas
(1929-2018),seucompanheirodepauta
nahistóricareportagemsobreas“mu-
lherescaranguejeiras”daParaíbapubli-
cadainicialmentenarevista“Realidade”.
Porseuturno,Escorelfazflorescerem
arquivoseementrevistascomespecialis-
tasemfotografia,comoBorisKossoye
MiltonGuran,umaeruditareconstitui-
çãodatrajetóriadessaarteentrenós,dos
pioneirosdaguerreótiposde1840do
abadeLouisComptenoRioaoduploei-
xodemodernizaçãodafotografiabrasi-
leiranopós-guerra:arevista“OCruzei-
ro”,comJeanManzon(1915-1990)eJosé
Medeiros(1921-1990),eosfotoclubes,
deJoséOiticica(1882-1957)eThomaz
Farkas(1924-2011),entreoutros.

AmirLabakié diretor-fundadordo
É TudoVerdade—Festival Internacional
deDocumentários.

E-mail:[email protected]
Sitedofestival:
http://www.etudoverdade.com.br


Duranteajornada,eledestacaadívida
paracomasfotosdoRiodeJaneirodo
SegundoReinadodeMarcFerrez
(1843-1923)paraotrabalhoem“OXan-
gôdeBakerStreet”(2001);confessaque
conheceuoMáriodeAndradefotógrafo
apenasduranteaproduçãode“Chico
Antônio,UmHeróicomCaráter”(1982);
elembracomoorecursoquaseexclusivo
à“luznatural”aofotografar“SãoBernar-
do” (1972)foiinspiradopelaspioneiras
incursõescinematográficasdeMedeiros
eLuizCarlosBarreto.
Tambémem “Equivalências”marca
presençaMáriode Andrade.“O Turista
Aprendiz”, seu diáriode viagensao
Nortee Nordesteem 1927e 1928,ins-
pirouo roteiropara uma revisitaem
1985 por Maureen,resultando numa
sériefotográficae no documentário
“Decantandoas Águas”.Não surpre-
ende,portanto, que Escorela tenha
por interlocutoraessencialno decor-
rer de “Fotografação”.
Maisatéqueem“Equivalências”,é
nessediálogoqueoolhoencantadode
Maureenrevela-setambématravésda
leituradostrabalhosdeseusprecurso-
res,destacandoavidanoshomensco-
moformigasdasimagensdeFerrez,o
pioneirismoabstratodasfotosdeMá-
riodeAndrade,odesnudamentomo-
destoecerteirodeMarcelGautherot
(1910-1996).Acumplicidadeentre
MaureeneEscorelnessainteligênciado
olharcatalisaumaconversainesquecí-
vel,entreessesdois“filhosdediploma-
ta”,comodesaídanotaele,pararápida
concordânciadela.“Traçaocaráter”, as-
seguraMaureen.“Éabuscadaraiz.”
Na delicadezacom que reconsti-
tuemessa procura,“Equivalências” e
“Fotografação” fascinantemente se
complementam.São agoratambém
sombrasnossas.■

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