Poesia
Não identificada
Quero falar de quem não sou. Dos outros.
De muitos outros, sem saber ao certo quantos.
Tudo e todos que não eu.
Nada meu, nada do que sou, ou faço.
Sobra apenas a mim ser espectadora.
Às vezes testemunha ocular, quase perto do toque.
Outras vezes no ponto mais distante.
Reconheço a existência de todas as coisas que aqui revelo, mas fora
de mim, ora esbarrando, ora do lado de lá e às vezes uma lembrança
distante. Longe até no pensamento.
Não conheço verdadeiramente nenhuma outra língua.
Não me recordo das imagens, nem dos caminhos, nem das receitas.
Não tenho irmãos mais velhos.
Não beijei a menina, não choro toda vez que quero, não organizo fotos
e não edito filmes.
Não releio livros, não sou sacana, nem cruel, nem boazinha.
Não devo muito dinheiro, não vivo sem arrependimentos, não tomo cerveja.
Não me divorciei, não sou vegana, não mergulho fundo.
Não danço a noite inteira, não pinto o cabelo.
Não medito.
Não acredito muito.
Não tenho vergonha de desejar a morte.
Mesmo que nada seja o que sou, o que tenho, o que vivo e
experimento, nem mesmo assim, não posso dizer que de tudo isso
não haverá algo, um dia quem sabe, o que aindaserádemim.