Elle - Portugal - Edição 379 (2020-04)

(Antfer) #1

58 ELLE PT


STA RS


seguido de um café expresso duplo para a ajudar a acordar.
Zoë não é aquilo que eu esperava. Tinha antecipado uma
atriz mimada que, como boa descendente da realeza do
rock ‘n’ roll, detesta entrevistas e jornalistas e tem receio
de deixar alguém ver os seus segredos por trás daqueles
olhos lânguidos. Certamente, a sua personalidade nos ecrãs
parece muito mais fria e distante do que efetivamente é.
Pessoalmente, ela é uma jovem calorosa, amigável, sensível
e inteligente. Zoë tem 30 anos, mas parece mais jovem. O
seu cabelo está bem curto, e tem vestida uma camisola de
caxemira preta da The Row, as calças também são pretas,
um modelo simples da Dickies, as botas têm vários fechos,
e na sua cintura minúscula um cinto de pele preta vintage
com uma fivela de prata. «A moda é um vício», admite
enquanto empurra a carteira Saint Laurent de pele gasta (é
embaixadora global da YSL Beauty e embaixadora da marca
para Saint Laurent) para o parapeito da janela ao seu lado.
Kravitz chegou a Londres para o próximo filme de Matt
Reeves, Batman, ao lado de Robert Pattinson, no qual in-
terpreta a Catwoman, mas hoje veio para
falar sobre outro projeto que tem um
lugar especial no seu coração: a nova série
do canal norte-americano Hulu, High
Fidelity. Além de ser uma das produtoras
executivas da série, também desempenha
Rob, o papel protagonista. O programa é
baseado num clássico romance sobre rela-
ções – um dos primeiros a serem escritos
do ponto de vista masculino – do autor
britânico Nick Hornby. Publicado em
1995 e adaptado para cinema em 2000,
com John Cusack como protagonista, é
a história de Rob, dono de uma loja de
discos em declínio com uma vida amorosa
igualmente desesperante. O filme foi um
sucesso, com uma lendária performance de Jack Black – e um
papel romântico para a mãe de Zoë, Lisa Bonet (que interpretou
uma das amantes de Rob, a cantora Marie De Salle). Depois
de assistir às performances das duas, é impossível não achar
impressionante a semelhança entre mãe e filha.

A SÉRIE DE 10 EPISÓDIOS segue Rob, que tem o hábito de
substituir as suas opiniões e os seus sentimentos reais por
uma série de listas do género Top 5. Quando o seu namo-
rado Mac (interpretado por Kingsley Ben-Adir) termina
com ela, a personagem de Kravitz faz uma lista com os seus
cinco principais relacionamentos e parte numa missão para
descobrir onde errou em cada um deles. Ao examinar as suas
tentativas fracassadas de romance e felicidade, Rob é forçada
a examinar o seu próprio comportamento e é arrastada,
embora com relutância, para a idade adulta.

Não há dúvida de que este programa é uma tentativa da
Hollywood para fazer cumprir todas as caixas do politica-
mente correto: uma linda mulher negra a interpretar um
papel que originalmente era o de um homem pessimista.
Mas Kravitz não está interessada em hastear a bandeira do
politicamente correto. Com ela, tudo é à base do conteúdo.

«A PERSONAGEM ROB é o papel mais similar a mim pró-
pria que alguma vez interpretei», diz Zoë enquanto cheira
uma fatia do famoso bolo de cenoura deste café. «Conheço a
Rob muito bem. Ser adolescente e jovem adulto também
foi um desafio grande para mim, e encontrei na música
um refúgio, um lugar para me esconder. Criava playlists
e ficava no chão do meu quarto a ouvir Jeff Buckley, a
aprender as letras das músicas que eram a banda sonora
emocional da minha vida.»
Não são apenas as músicas desta série – David Bowie, Ann
Peebles, Nick Drake, Swamp Dogg, Frank Ocean – que a
tornam tão perfeita para Zoë. A produção, atual mas cheia
de nostalgia também foi filmada em
Crown Heights, Brooklyn, não muito
longe da sua casa em Williamsburg.
Os figurinos, de Colleen Atwood, são,
na sua maioria, achados vintage que
Kravitz ajudou a procurar e que pare-
cem ter sido retirados diretamente do
seu próprio guarda-roupa. «A maio-
ria deles agora têm morada no meu
armário», diz a atriz a rir. Ela até usa
um casaco de pele semelhante ao que
Cusack usava no filme.
A fusão de vintage e moderno é o
tema central de High Fidelity, que
também lança um olhar engraçado e
irónico ao mundo dos influenciadores.
Enquanto Rob luta contra conceitos contemporâneos como o
streaming, as redes sociais e o namoro em tempos modernos,
ela e os seus parceiros usam a loja de discos como refúgio do
mundo exterior. Os debates são alimentados pela integridade
moral – incluindo a questão delicada de vender um álbum
de Michael Jackson. No remake, o papel de Jack Black foi
hilariamente entregue a uma Da’Vine Joy Randolph de boca
atrevida. E enquanto Bruce Springsteen fez uma aparição
no filme original, tocando no quarto de Cusack e oferecendo
conselhos sobre o amor e a vida, Debbie Harry, dos Blondie,
aparece na sala de Kravitz nesta versão (prepare-se para os
seus chinelos vanguardistas).
O próprio Hornby – com quem a atriz trocava regularmente
playlists – deu a sua bênção a este projeto. «Quando a conheci,
pude ver quão brilhante ela era, e quão bem conhecia o livro
e o filme e como os entendia tão nem. Isso e o seu amor

«A MELHOR
PARTE DE NOS
CASARMOS É SERMOS
CAPAZES DE TER
UMA BRIGA ESTRANHA
E SABERMOS
QUE NENHUM
DE NÓS VAI SAIR
PORTA FORA.»
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